domingo, 23 de outubro de 2016

Ver044



“Rafael. Hoje sei que dei menos atenção do que devia àquele nome, mas para ser justa ele não significava nada para mim naquela época. Por isso, assim que Bia saiu do meu quarto, troquei de roupa e deitei em meu caixão sem maiores preocupações sobre isso. Já que eu não durmo, na maioria das noites eu apenas fecho os olhos e passeio pelas minhas lembranças até que o sol se canse e eu possa levantar novamente. Entretanto naquela alvorada, ao trancar a tampa do caixão, eu percebi que a empolgação deitada ali ao meu lado. Quando se leva uma vida como a minha, são raros os momentos de real excitação. A maioria das noites, após algum tempo, parecem apenas a repetição umas das outras, como um deja vu monótono e insosso.
 
Mas o tal Livro dos Ofícios trazia a centelha da ansiedade que tanto faltada no meu pós-vida. Em minha cabeça, eu conjecturava as diferentes possibilidades que poderiam se dar com o desenrolar daquela história. No escuro do meu caixão de cedro eu me perguntava se conheceria outros demônios como nós, como seria a travessia para descer ao Inferno? Pensava em tudo que Maíra tinha dito sobre os demônios tão poderosos que habitavam as profundezas e imaginava a extensão das suas habilidades.
 
Será que algum deles poderia trazer Carlos de volta?
 
Este pensamento varou minhas conjecturas como uma lâmina, e como tal, machucou. Me forcei a mudar a direção do que acontecia na minha cabeça e mergulhar em frivolidades. É curioso pensar em como algumas horas podem parecer toda a eternidade.
 
Levantei pouco antes do sol se por e pude ver, através das grossas cortinas que ainda havia um pouco de luz no mundo. Ainda faltava algum tempo até chegar a hora de ir para a Vogue encontrar Máira, por isso, preparei um banho relaxante e passei algum tempo imersa na banheira lendo o livro que poderia definir tanto o destino deste plano, quanto do plano inferior e do superior. Apesar de não conseguir, ainda, assimilar seu conteúdo, era possível sentir a energia que aquelas folhas carcomidas pelo tempo emanavam. E, página após página, lá estava ela. Aquela marca. A triqueta me intrigava profundamente, senti o impulso de tocá-la na casa de Debóhra e apesar de ter sido alertada da possibilidade da consequência de me machucar ao fazê-lo, eu estava de novo querendo encostar naquele símbolo de tinta fresca que parecia pulsar no meio das páginas.
 
Algo nela me chamava, e a cada página que eu passava, chamava mais forte. Pouco a pouco, como se estivesse ausente do meu próprio corpo, vi minha mão se encaminhando para a marca. Eu ouvia as batidas do meu próprio coração se acelerarem, e apesar de ter bebido na noite anterior, senti a garganta secar. Meu indicador estava prestes a tocar a tinta proibida quando batidas na porta me despertaram.
 
- Você não disse a que horas vamos sair. Acabei de levantar, já estou atrasada? - Beatriz perguntava do outro lado.
- Na verdade, não combinei uma hora certa com Máira. Eu estou terminando o banho aqui, o que acha de sairmos umas 21h? - respondi fechando o livro com certa urgência e sentindo que voltava a mim aos poucos.
- Ok, vou tomar um banho também e já desço. - senti seus passos se afastando da porta e depois se aproximando novamente - Você viu se o Lucas voltou para casa?
- Não, fiquei no caixão o dia todo. Mas você sabe como Lucas é, provavelmente já esteja nos esperando na casa da Urca.
- É… - Beatriz soava pensativa - Você deve acabar o banho antes de mim, se incomoda de receber os homens da mudança?
- Não, pode deixar comigo. - respondi, ainda sentindo a garganta seca.
 
Saí da banheira e me sequei com calma, ainda olhando para o livro misterioso. Sempre fui atraída por mistérios, gosto de entender do que se tratam e, mais do que tudo, de resolvê-los. E estava animada para resolver aquilo logo.
 
Quando os homens chegaram, precisei me segurar para não ataca-los enquanto carregavam as caixas de mudança para o caminhão. Eram três, não muito atraentes, mas robustos e bastante vigorosos. Minha força de vontade foi maior que a minha sede e eles seguiram para minha futura casa em segurança. Bia apareceu na sala e perguntei a ela se o homem que atacamos ontem havia saciando-a, ela disse que sim. Estranhei minha necessidade de beber sendo que havia me alimentado à poucas horas, mas logo o livro tomou novamente meus pensamentos e comecei a conversar com a minha irmã sobre a noite.
 
Chamamos um taxi pouco antes da hora marcada e em pouco tempo estávamos na luxuosa Vogue. O ambiente não havia mudado muito desde a última vez que havíamos estado lá, mas eu senti um leve impacto assim que passei pela porta principal. O homem que segurava as grandes portas de vidro foi educado e se prontificou a guardar o casaco que Bia usava e, após ela declinar, nos levou até uma mesa, que aceitamos após perceber que Máira ainda não havia chegado.
 
- Não foi este homem que nos recebeu da outra vez, foi? - Beatriz notou.
- Não, e a cantora era uma mulher. - indiquei o homem que cantava Sinatra no pequeno palco ao fundo do salão - Tomara que Máira não demore muito, quero discutir isso logo.
 
Um garçom que obviamente não era o mesmo que nos atendera da outra vez veio acompanhado de uma moça que era estranhamente familiar a mim. Ele nos trouxe a carta de bebidas e se oferecei para que anotar o nosso pedido. A mulher ao seu lado nada disse, mas percebi que ela me examinava minuciosamente. Eu pedi um bordeaux e Bia um licor. Quando os dois se foram perguntei:
 
- Aquela mulher é familiar, não é?
- Aquela garçonete? Não, nunca a vi antes. Ao menos não me lembro dela. Posso vê-lo? - Beatriz pegou a bolsa que eu tinha posto em cima da mesa. Onde estava o Livro dos Ofícios.
- Não sei se é uma boa ideia, Bia… Vamos esperar Máira chegar, certo?
- Acho que você tem razão. - o garçom veio, dessa vez sozinho, trazer nossas bebidas. Depois que ele foi embora, ela baixou a voz e continuou - Eu estou curiosa, como ele era? O garoto na jaula. Nunca vi nenhum desses padres que você e o Lucas falam tanto.
- Eu também não os encontrei muitas vezes. E é melhor que continue assim, lembra quando eu te contei que havia uma outra pessoa que morava conosco antes de você? Manoela. Lucas a matou por ela ter exposto nosso segredo em uma crise de ciúmes e isso atraiu a atenção da Ordem. Tanto ele quanto ela quase foram mortos por uma única mulher. Eu a matei, mas por um momento de descuido de sua parte. Eles são extremamente empenhados e perigosos e fora que são sempre acompanhados por uns anjos insuportáveis e...
 
Neste momento, um dos garçons apareceu encaminhando Máira até a nossa mesa. Ele puxou a cadeira para que ela sentasse e se retirou com visível pressa. Todo o ambiente no clube estava muito denso. O homem ao piano já não cantava mais, agora entoava algum dos noturnos de Chopin e os poucos clientes nas outras mesas não pareciam estranhamente tensos. Tudo era muito estranho ali, naquela noite, mas foi o olhar no rosto inquieto da minha amiga que evidenciou que algo estava errado. Máira havia perdido a cor morena de sua segunda-pele, eu poderia achar que ela estava doente, se doenças nos acometessem. Olheiras escuras contornavam seus olhos e os lábios estavam secos.
 
- Você já está sabendo de tudo? - ela perguntou à Beatriz rispidamente. Bia me fitou confusa por um momento antes de responder:
- Bom, acho que sim. Carolina me disse tudo ontem, sobre a aventura de vocês noite passada.
- Sobre o livro? - Máira insistiu.
- Sim, sobre o livro também.
 
Máira fechou os olhos e suspirou tombou a cabeça sobre as mãos que se apoiavam na mesa.
 
- É, estamos todas no mesmo barco, então.
- Do que você está falando? Aconteceu alguma coisa com você? - eu perguntei.
- Eu voltei para pegar a bolsa lá na casa da Debóhra, lembra? Esperava que ela enchesse o meu saco, falando sobre como eu deveria parar de andar com você e coisas assim, mas tinha certeza que esse era o único perigo que eu corria indo lá. Quer dizer, claro que ainda não teria dado tempo do garoto despertar. - seus lábios se abriram num sorriso sem humor enquanto ela olhava para mim - Ah, mas você é boa, garota. Você é muito boa. Nós demos sorte, Carolina. Saímos de lá na hora certa. Eu toquei a campainha uma vez. Quando fui tocar a segunda, percebi que a porta estava aberta. Entrei, chamei por ela e nada. Encontrei fácil a minha bolsa no sofá da sala onde sentamos, mas achei estranho o silêncio de Debóhra e continuei chamando por ela. Procurei por todo o andar superior e justo quando eu achei que poderia ter certeza que estava sozinha na casa, ouvi dois dos padres subindo as escadas.
- Os sacerdos?! Eu estava justamente falando a respeito deles para Carolina, nunca os vi. - Beatriz se precipitou - E então, você os atacou?
- Você não simplesmente ataca dois sacerdos assim, garota. Eu pude sentir a energia daqueles dois, não seria páreo para eles. Não os dois ao mesmo tempo. Me escondi atrás do armário grande da sala e esperei pelo melhor momento. De atacar ou de fugir, não sabia o que seria antes. Prendi a respiração quando eles entraram na sala. De onde eu estava, podia vê-los sem que me vissem, mas você sabe como eles são - ela disse olhando para mim -, os filhos da puta sentem o nosso cheiro. Mas acho que eu estava com sorte, eles não me notaram. Estavam focados procurando o livro. Depois de alguns minutos eles se separaram e eu arranquei a mandíbula do que ficou na sala enquanto fugia pela janela.
- Como eles poderiam saber do livro? - perguntei apertando a bolsa sobre o meu colo.
- É difícil dizer com certeza, mas é provável que seu admiradorzinho tenha dado um jeito de fugir da jaula, exorcizou a minha irmã, se mandou para o clubinho deles e deu com a língua nos dentes quando chegou lá. Agora eles sabem que o livro existe e quem o tem em posse.  Você disse o seu nome pra ele, Carolina - Máira disse isso num sussurro - Acho que chegou a hora de você contar pro Malta o que aconteceu. Para a segurança de vocês duas.
 
Neste momento se aproximou o garçom, aquele que havia atendido Bia e a mim quando chegamos. Ele trazia uma taça equilibrada sobre uma bandeja e a ofereceu para Máira que ficou surpresa e disse:
 
- Desculpe, meu bem, eu ainda não fiz o pedido. Você deve ter se equivocado.
- Não. - disse o garçom sorrindo - Nós estamos bem certos.
 
E subitamente jogou o conteúdo da taça no rosto de Máira que gritou em agonia. Sem dar tempo para que ela tivesse outra reação, ele bateu com a bandeja em sua cabeça e minha amiga foi ao chão.
 
Vendo aquilo, eu e Beatriz nos pusemos à postos para atacar. Minha intenção era acabar com aquele garçom maldito sem demora, mas antes que eu pudesse fazê-lo, um outro homem, que estava sentado à algumas mesas de distancia da nossa veio correndo em minha direção e me derrubou. O homem era gordo e se pôs em cima de mim, me comprimindo com seu peso. Ele pôs o antebraço em meu pescoço afim de me imobilizar enquanto procurava algo em seu paletó, provavelmente uma arma. Mas ele nunca a encontrou, ao ver o mínimo momento de distração em seus olhos, eu passei as mãos sobre sua testa e queixo e quebrei seu pescoço com um baque seco.
 
Após tirar o brutamontes de mim e voltar a me orientar eu vi a mulher novamente, aquela que eu achara familiar assim que chegamos à boate. Ela estava investindo contra Beatriz com uma adaga de prata. Eu a vi, e dessa vez a reconheci. Era a mesma mulher que fumava debruçada na janela do prédio vizinho à casa de Debóhra. Rapidamente, as coisas passaram a fazer sentido. A emboscada, o ataque, tudo. Eram todos sacerdos ali, funcionários e convidados. Eu tentava manter a calma, mas o desespero estava tomando conta de mim. Olhando envolta, eu podia contar oito deles no meu campo de visão, mas era impossível saber quantos realmente existiam ali. Bia se livrou do ataque da mulher e gritou um alerta para mim.
 
Me virei e pude ver outro homem vindo em minha direção, estaca e martelo em punho. Este era atlético e sua ira era sensível, seus olhos assassinos estavam focados em mim e eu só tive tempo e recuar alguns passos até que ele completasse o ataque. Sua estaca errou meu coração, mas fez sangrar meu ombro esquerdo quando foi enterrada quase até a metade. Meu braço estava inutilizado, mas ainda assim eu consegui fechar a boca em seu pescoço enquanto minha mão boa se fechava sobre o seu pulso do martelo. Meu sangue e o dele se misturavam ao vermelho do meu vestido.
 
Gritei de dor ao arrancar a estaca do meu ombro ferido, mas não tive tempo de respirar, pois a mulher que havia me visto da varanda me atacou por trás e passou um rosário pelo meu pescoço, o que me queimou ao mais leve toque. Enquanto eu sofria, ela passou as mãos pela minha cintura e agarrou o laço que havia em vestido, na altura da barriga. Senti seus dedos puxarem as pontas do laço com força ate quase rasgarem, o ar se foi de meus pulmões e pude ver um outro sacerdo desferir um golpe contra Máira antes de cair sobre os meus joelhos.
 
A mulher que me atacava tomou meu cabelo pelas mãos e os puxou para si. A mesma adaga de prata que ela usou para atacar Beatriz agora se preparava para cortar a minha garganta exposta. Meu pescoço parecia estar em chamas, eu não conseguia falar ou respirar e meu ombro esquerdo latejava, mas foi quando ela derramou um frasco de agua-benta sobre a minha testa que eu realmente senti o que era dor.
 
Meu vestido não tinha gola, então o líquido sagrado corria pelo meu rosto, pescoço e colo, ate descer queimando pelos meus peitos e barriga. Ouvi o frasco vazio se quebrar quando ela o arremessou no chão e senti o aperto em meus cabelos ficar mais forte quando ela se preparava para cortar a minha cabeça. Pela primeira vez achei que tudo estaria perdido.

Seu braço levantado com a adaga em punho foi a última coisa que eu vi antes de fechar os olhos e esperar pelo pior. Entretanto, o golpe foi detido por uma voz. Um grito de comando, pelo que eu pude entender em meio àquele sofrimento. Ainda tendo os cabelos seguros pelas mãos da mulher, fui obrigada a acompanhar seus passos enquanto ela parecia me levar de volta para o meio do salão. Jurei que cortaria aquelas mãos se saísse viva dali.

Ao abrir os olhos, eu vi outra mulher à minha frente. Esta, era bela, mas trazia uma vil cicatriz que rasgava sua boca e subia até a orelha direita. Seus cabelos eram poucos, batidos rente à cabeça como os cortes masculinos da época. Meus olhos ardiam e era dificil mente-los abertos, mas ainda assim não era difícil perceber que esta mulher com a cicatriz tinha uma posição de liderança naquele grupo. Pela visão periférica pude ver Máira segura por três homens junto à parede e Beatriz, pobre Beatriz, usava um colar de alho apertado como uma gargantilha e tinha duas lâminas atravessando seu ombro esquerdo.

A mulher da cicatriz, que usava salto caminhou até Beatriz, que era a que parecia ter o estado mais enfraquecido de nós três. Uma mulher e um homem seguravam minha irmã. Ao ver sua líder se aproximando, eles forçaram aos braços de Beatriz para que ela se curvasse. A mulher da cicatriz se apresentou como Irmã Amanda e teria dado um sorriso acalentador, não fosse a deformidade em seu rosto. Ela levantou o queixo de Beatriz com a base de um crucifixo, o que fez Bia dar gritos insuportáveis e a olhar para ela.

- Aonde está o livro? - Amanda perguntou sem qualquer reação. 

Beatriz não respondeu e a cruz foi novamente pressionada contra ela. Desta vez na testa. Irmã Amanda repetiu a pergunta.

- Aonde. Está. O. Livro?
- Eu não sei. - os olhos de Bia encontraram os meus por um momento e ela me disse com eles que não iria dizer uma palavra. Eu amei Beatriz naquele momento. - Eu não sei do que você está falando.

Amanda voltou a se erguer e limpou o crucifixo na barra do vestido preto que usava. Fez sinal de que o homem e a mulher que seguravam seus braços podiam solta-la e quase instantaneamente, ela caiu. Apoiou as duas mãos no chão para aparar sua queda. Amanda fez questão de pisar nas suas mãos com o salto fino enquanto passava. Beatriz chorava.

Olhei para Máira e vi em seus olhos a mesma falta de esperança que eu sentia. Estávamos perdidas, as três. Feitas prisioneiras daquelas pessoas, que diziam estar “do lado do bem” mas não mediam crueldades e sadismos para conseguir o que queriam. Eu fiz um esforço com toda a minha força para me soltar da mão que segurava meus cabelos, mas só que consegui foi fazer a dor aumentar. Amanda se pôs no centro do círculo e, sem nenhuma aparente preocupação disse:

- Peço que simplifiquem as coisas. Não me causa prazer causar sofrimento à vocês, somente Deus tem o direito de fazê-lo. Mas entendam, aqui nós representamos Deus. E por isso estou autorizada pela Santa Igreja me valer de todas as formas de persuasão que puder para que vocês me digam algo que eu prefiro perguntar amigavelmente. Eu sei que uma das três tem o Livro dos Espíritos, um jovem do nosso corpo de aprendizes conseguiu fugir das garras de uma da sua espécie - ela disse para Máira - e nos contou que vocês tem o livro em sua posse. Contou que ele mesmo o teve em mãos, mas não estava respondendo por si. Então, novamente, eu peço que entendam que já estão condenadas e cooperem. Vai ser mais rápido para todos aqui. Onde está o livro?

Nenhuma de nós respondeu, outra vez.

- Bom, - Amanda disse com falso pesar - acho que teremos que começar os trabalhos então. João, traga-me a caixa.

O mesmo homem que abriu a porta para nós quando chegamos tirou da parte debaixo do bar uma valise muito semelhante a uma caixa de ferramentas, com o único detalhe que era ornada por símbolos cristãos. 

- E agora, por quem começaremos? A Aaba truculenta ou a filha de Lilith com cabelos de fogo? - ela decidiu. Fez sinal para que minha captora me soltasse e sentir meus cabelos caindo sobre mim novamente foi um breve momento de alívio. Máira esbravejava para que ela fosse escolhida e não eu, mas Amanda a ignorava. Ela ajoelhou ao meu lado e pousou a caixa de ferramenta entre nós. Lá eu pude ver um arsenal de pequenas armas de corte e de contato. 
- Tive informações de que você é protegida de Lucas Malta também. - Amanda falava enquanto separava seus equipamentos de tortura - Sabe, meu avô foi morto por ele. Meu pai me contava histórias sobre ele. Eu consegui esta cicatriz ao procurar as pistas dele junto com minha favrashi protetora. - ela escolheu um punhal prateado que se formava em três dentes afiados - É de seu histórico não acumular muitas parceiras, seu clã sempre foi pequeno. Ele me tirou muita coisa, ruiva. Não preciso de muitos motivos para retribuir o favor, então não me dê. Só me diga agora onde está o livro, e mais, onde está Malta?

Eu, que havia escutado tudo isso de cabeça baixa, pela primeira vez a encarei nos olhos. Meu corpo todo doía, mas eu meu ódio me dava forças.

- Você não devia ter me soltado. - eu cuspi em seu rosto - Agora eu vou te fazer outra cicatriz como esta e terminar o serviço que deixaram pela metade.

Antes que eu avançasse, no entanto, a mulher da adaga a enfiou fundo na minha coxa, fincando-me no chão. A dor nova dor suplantou todas as antigas e, enquanto eu a assimilava, senti uma das pontas do punhal invadir a minha boca.

- É uma boa idéia, mas que tal eu lhe dar este presente? Poucas coisas me dariam mais prazer do que desfigurar este rosto tão bonito. Última chance, demônio, onde está o livro?
- NA BOLSA PRETA! - Máira gritou surpreendendo a todos. - A merda do livro está na bolsa preta, ok? Agora acabe logo com isso, sua puta! 

Após revistarem a minha bolsa e checarem a autenticidade do livro, Amanda voltou a mim. Ela ainda não estava satisfeita. 

- Ótimo, viu? Vocês aprenderam a cooperar bem rápido. Mas eu tenho mais uma pergunta a fazer antes de, como você disse, “acabarmos com tudo”. Onde está seu mestre? Onde está Lucas Malta, vampira?

Um objeto a acertou em cheio após dizer isso. O punhal com o qual ela me ameaçava voou de sua mão e se fincou no chão da boate bem ao seu lado. Amanda se levantou do golpe inesperado e gritou ao ver o que havia lhe atingido. Era uma cabeça, com os glóbulos oculares arrancados, os ouvidos decepados e a genitália saindo pela própria boca.

Era a cabeça de Hugo.

- Eu estou aqui. - a voz de Lucas vinha do teto do salão.


E as luzes se apagaram assim que ele terminou a frase."