sexta-feira, 10 de junho de 2016

Ver 040



“A noite foi bastante interessante. Fiquei até quase fecharem o bar e a música parar, só quando Máira resolveu chamar o garçom Lucas para sentar a nossa mesa que percebi que era hora de ir embora. Bia havia saído horas antes com o homem bonito depois de passar algum tempo em sua mesa, então entendi que eu poderia atrapalhar a jogada da minha amiga se continuasse ali, e além disso, passava das três e eu queria mesmo evitar a correria da madrugada anterior na volta para casa. Resolvi aproveitar a madrugada gelada e ir andando, apesar da relativa distância e, durante o caminho, pude digerir as coisas que Máira havia me dito. O que poderia ser aquele plano que Lucas estava pensando? E quem seria seu companheiro nessa história toda? Eu já estava morando com ele há muito tempo, devia saber se houvesse mais alguém tão próximo assim.

Do jardim, pude ver que a luz de nossa sala estava acesa, sinal de que Lucas não tinha saído, ou que Beatriz tinha voltado antes de mim. Independente de quem fosse, a curiosidade me atiçava e seria bom ter alguém pra prolongar o papo que comecei na Vogue.

Ao subir as escadas para a sala, o encontrei encaixotando e encapando os artigos de decoração da nossa sala. Lucas estava de bom humor, muito diferente de como o tinha visto na madrugada anterior, ainda bem. Usava um pijama de seda preto, que indicava a sua intenção de ficar em casa o resto da noite.

- Carolina, que surpresa! - checou o relógio e disse irônico - Chegou cedo hoje. A noite não estava boa?
- Acho que estou um pouco cansada de ontem ainda.
- Justo. Cheguei a pensar que você tinha fugido de mim. - brincou - De qualquer jeito, é ótimo que você esteja aqui, eu tenho novidades. Pode dar adeus à essa espelunca. Nós vamos sair daqui. 

Não é que eu morresse de amores pelo nosso casarão no Catete, mas fui pega de surpresa, não achei que ele encontraria um lugar tão rapidamente. Lucas era exigente e criterioso demais e ainda mais no Rio de Janeiro nos anos 50, não imaginei que algo chamasse sua atenção tão cedo.

- Beatriz também ficou surpresa quando eu contei.
- Ah, então ela já chegou? - perguntei tirando o casaco e me sentando na poltrona.
- Ela chegou mais ou menos uma hora atrás. Disse que você a incentivou a caçar a primeira presa sozinha hoje. Apesar de ter chegado com a gola do vestido ainda suja de sangue, ela está seguindo os seus passos. Com certeza vai ficar bem, mas imagino que esteja cansada por decorrência do esforço. É até bom que ela já tenha subido, assim podermos conversar à sós.
- Você tem certeza que quer conversar sobre a mudança às três e meia da manhã?
- Não, Carolina. - Lucas deu um doce riso debochado -  Veja, não existe discussão acerca da mudança. Eu já determinei quando e para onde ela vai acontecer. O que vamos conversar agora é outro assunto, temo que mais urgente ainda.

Conforme ele se aproximava de mim, o robe de seda em seu torso abria com o seu caminhar e eu percebi rapidamente que conversar não era mais o que eu queria fazer.

- Quero falar sobre como pode ser perigoso para você sair pra se divertir com outros, digamos... segmentos o plano inferior.
- Você está me espionando? - eu disse, mordendo os lábios.
- Como você pode dizer isso? - se mantendo sério e focado - Passei a noite inteira atrás de um novo lar para nós. Você sabe como é difícil fazer corretores imobiliários trabalharem a noite? Como poderia espionar você se cruzei três cidades dedicado a encontrar o melhor lugar para vivermos? Eu só quero dizer para você o mesmo que contei à Beatriz: eu não acho que seja prudente para a segurança de nossa família que vocês espalhem nosso segredo tanto assim.

Ele sentou na mesa baixa que ficava de frente para a poltrona, bem próximo a mim. Próximo o bastante para que eu sentisse seu perfume e que ele fizesse todo o meu corpo formigasse de vontade. Quando pensei em agarrar robe e fazer força para tirá-lo, Lucas, como se previsse minhas intenções, levantou da mesa e pôs dois candelabros dourados numa caixa.

- Você está com medo de mim? – perguntei lasciva. 
- Medo? Não, minha doce Carolina. Não se trata de medo, mas de cautela. Se você e Beatriz nos pusessem em risco, eu seria obrigado a agir. E eu odiaria agir neste caso.
- Isso é uma ameaça? - a distância ajudava a clarear os pensamentos e perceber as entrelinhas onde Lucas escondia suas intenções.
- Um conselho. Um que eu acredito que você seja inteligente o bastante para seguir. - ele se selou a caixa e fechou os botões de seu pijama - Fico feliz em ver que você e Beatriz estejam se dando tão bem. Não gozo do mesmo tratamento, acho que ela ainda não superou aquilo tudo de eu ter matado seus irmãos, mas nada que o tempo não cure, certo? Peço que passe o nosso combinado à ela também. Agora vamos nos recolher, acredito que você tenha muitas coisas para empacotar, vamos nos mudar em dois dias, afinal.

Me pegando pela cintura, ele me deu um beijo. Lucas não era aquele tipo que é só charme e nenhuma ação. Ele sabia o que fazer e quando fazer. O beijo foi demorado e me deixou sem ar, mas parecia que respirar não era importante. Quando acabou, eu estava ofegante e ele me deu uma mordida leve exatamente no mesmo lugar onde havia me tomado tanto tempo atrás. Sussurrou para mim ainda antes de ir:

- À propósito, acredito que você vá gostar na nossa nova casa. Fica na Urca. Agora você vai precisar de menos tempo para chegar na sua querida boate.

Ainda extasiada, Lucas já devia estar no meio do corredor quando compreendi suas palavras. Ele tinha sim nos seguido, ou mandado alguém nos seguir já que de fato estava procurando nossa nova casa. Talvez seu bom humor e segurança viesse de daí, agora ele sabia onde estávamos, com quem estávamos e o que estávamos fazendo lá. De súbito, um sentimento de que eu era só uma marionete me acometeu, e se ele estivesse me manipulando esse tempo todo? O que Máira havia me dito sobre aquela história misteriosa de Lucas ainda ecoava na minha cabeça e me fez lembrar de como ele estava furioso no dia que cheguei tarde em casa e indiretamente frustrei o que ele havia planejado.

O que era só curiosidade passava a tomar contornos de algo mais sério.

Não tenho a necessidade de dormir, mas acredito que mesmo que tivesse, não dormiria naquela noite. Meus pensamentos voavam a mil por hora, eu criava e destruía estratégias repetidamente afim de encontrar a melhor solução para entender o que Lucas estava fazendo por baixo dos panos. Todas as minhas tentativas pareciam conter alguma falha fatal e eu percebi, quando o sol já se mostrava no céu, que precisaria saber mais sobre ele antes que soubesse alguma coisa sobre suas ideias. Eu não sabia nada sobre o seu passado, o que havia feito para chegar até ali, mesmo depois de tanto tempo de convívio íntimo. Entretanto, não poderia me precipitar, qualquer ansiedade poderia ser fatal, Lucas já estava me ameaçando veladamente e agora não custaria muito para que suas ameaças se vertessem em ações. No escuro do meu caixão, a única luz que eu encontrei foi a do conhecimento. Eu estudaria sobre ele, se Lucas era mesmo tão infame quanto Máira dissera, procurando nos lugares certos eu poderia encontrar informações.

A noite seguinte se mostrou mais quente, mas trouxe consigo uma chuva feroz e barulhenta. Levantei por volta das 19h e comecei a separar meus pertences para a mudança. Depois que organizei a maior parte do meu armário e dos meus pertences, passei pelo quarto de Beatriz para perguntar como havia sido a noite anterior, mas ela parecia estar em seu caixão ainda. Então, segui até o final do corredor, afim de buscar na nossa biblioteca algum livro que pudesse pelo menos me dar alguma pista de por onde começar minha pesquisa sobre Lucas. Meu objetivo, entretanto, foi impedido pela presença do próprio em frente à nossa estante se perguntando que livro escolheria agora. A estante que tínhamos era enorme e cobria um lado inteiro da parede de nossa sala, com cinco andares de livros entre raros, velhos, conservados e novos. Ele notou a minha presença sem precisar me ver.

- Só agora foi que eu terminei as aventuras de Sherlock Holmes, uma pena não ter lido a tempo de contar para o velho Arthur o que eu achei. Lembra de quando nós passamos uma semana na casa dele em Sussex?
- Lembro. Eu terminei os livros a tempo, enviei uma carta para ele agradecendo sobre “O Vampiro de Sussex”, e ele respondeu dizendo que tinha certeza que pegaríamos a referência. Acho que ainda tenho a carta dele em algum lugar, se você quiser ler.
- Não, vamos deixar o doutor descansar em paz. Pronto - disse ele se erguendo na ponta dos pés para alcançar um livro no quarto andar da prateleira - Vou ler um pouco desse tal Lovecraft agora, estão falando muito dele lá na América pelo que eu soube. E então, tudo pronto para a mudança?

Lucas disse isso se virando para mim. Apesar do clima ainda não ter voltado ao normal no Rio de Janeiro ele estava sem camisa, e quando virou, pude ve-la nitidamente. Seu tronco sem camisa sempre me atraiu, não tenho pudor em falar isso, mas depois do impacto inicial era sempre aquela cicatriz que saltava aos meus olhos. Nós, vampiros, não temos marcas de ferimento, nosso poder de regeneração é forte o suficiente para cicatrizar em tempo acelerado quaisquer machucados abertos que possamos ter. Aquela cicatriz no peito esquerdo dele, no entanto, me intrigava. Era profunda, como se tivessem tentado enfiar alguma coisa ali e a pele ao redor era marcada por queloides repuxadas que formavam um pequeno sol defeituoso irradiando de seu peito. Percebendo o foco do meu olhar, ele disse lascivo:

- Quer tocar nela?

Eu queria. Poderia dizer que minha entrega ao desejo naquele dia foi uma estratégia para conseguir alguma informação, mas estaria mentindo. Desabotoei um pouco minha blusa, deixando à mostra o que interessava e fui em sua direção. Enquanto ele beijava meu pescoço eu me focava na cicatriz com a mão que estava livre. Quando pressionei, parecia haver um buraco ali, como e os ossos de sua costela também refletissem o buraco que não cicatrizou bem na pele. Quase instantânea ao meu toque foi a sua reação de dor, a cicatriz ainda lhe machucava.

Quando terminamos, estávamos sofá que ficava em frente à nossa biblioteca. Sentada em seu colo, eu brincava com os cabelos do seu peito enquanto ele estava entretido com um livro chamado “Nas Montanhas da Loucura”. Meus dedos encontraram a marca em forma de sol e perguntei, com a casualidade de quem oferece um café, qual era a origem dela. Ele respirou fundo e fechou o livro antes de responder:

- Isso já foi há muito tempo. Essa cicatriz é um dos motivos de termos nos conhecido. Fui imprudente numa atividade que fiz e quase fui emboscado, os padres me cercaram…três ou quatro, não lembro ao certo. Dei cabo da maioria deles, mas um me pegou de surpresa com uma daquelas estacas. Consegui feri-lo bastante com um golpe quase ao mesmo tempo e fugi para a França.
 - O que me deixa curiosa é o fato dela ainda estar aí depois de tanto tempo. Quer dizer - com as minhas unhas fiz três rasgos em seu ombro que em questão de segundos se fecharam - por que ela não reagiram assim?

Visivelmente desconfortável, ele empurrou o meu quadril para que eu levantasse.  Depois guardou seu o livro de novo na prateleira alta e se apoiou na lareira que nunca precisamos ligar.

- Este ferimento foi causado por uma arma sagrada, por isso sua cura foi tão complicada. Viajei num navio para a Europa no compartimento de cargas me alimentando de ratos e pequenos animais dos tripulantes. Achei que aquela seria minha última viagem.
- Mas por que se aventurar na Europa mesmo estando tão ferido?
- Eu precisava tratar a ferida e soube que Buer estava pelos campos da Irlanda naquela época. Só ele poderia fazer isso.
- Quem é Buer? - perguntei um pouco ansiosa.

E acho que o momento tinha acabado porque Lucas só ajeitou o cabelo e sorriu de lado dizendo que era uma informação com a qual eu não precisava me preocupar. Ele perguntou se toda a nossa atividade não havia me deixado com sede e após a minha negativa, ele lamentou ir caçar sozinho e foi se arrumar em seu quarto.

Eu menti, tudo o que fizemos me deixou, sim, com sede. Isso era algo recorrente comigo, sexo e sangue vinham sempre juntos. Aproveitei que Lucas tinha saído para examinar com cuidado os livros da nossa biblioteca, os mais antigos primeiro. Achei sim algumas coisas que tangenciavam o ocultismo, muito de William Blake e até mesmo um compilado de textos apócrifos, mas nada disso me ajudava. Eu insisti, correndo os dedos pela estante, encontrei um livro com a lombada arrancada e a capa descascando. Parecia ter sido encadernado com couro, mas agora ele estava endurecido e queimado. Ao abri-lo vi uma cruz invertida mostrava que talvez aquilo fosse promissor, só que as páginas seguintes falaram comigo numa língua que eu não compreendia, minha primeira impressão era que fosse russo, ou talvez grego.

Devolvi o livro sem nome para a prateleira no seu devido lugar, para que não houvesse suspeitas, e comecei da outra extremidade, a botar nossos livros em caixas. Beatriz apareceu algum tempo depois e, depois de me contar o que tinha feito com seu parceiro da noite anterior, me ajudou com a tarefa. Nesse meio tempo Lucas saiu de seu quarto usando um belo terno azul marinho com um guarda-chuva nas mãos e perguntou mais uma vez se não estávamos com vontade de acompanha-lo. Assim que ele partiu, disse à Beatriz que precisava pegar algo no meu quarto e escondi o livro da cruz invertida sobre a blusa.

Chegando no meu quarto, passei novamente as páginas amareladas e endurecidas na intenção de que pelo menos as figuras fizessem algum sentido. Consegui identificar criaturas de diferentes formas representadas em desenhos sem perspectiva ou proporção, o que me fez pensar naquelas pinturas sacras medievais que a gente vê em alguns museus, mesmo antes de transformada sempre odiei aquelas coisas. Não consegui extrair nada de seu conteúdo textual, mas uma análise mais cuidadosa das imagens me fez inferir que aquele era um livro de estudos. Era possível perceber esquemas gráficos ilustrados por partes de corpos decepadas de seu todo, como se precisassem ser evidenciadas por algum motivo. Uma das sessões mostrava o desenho de um corpo de vampiro e todos os seus pontos vulneráveis ao lado de uma ilustração ampliada de nossa arcada. Percebi que não conseguiria tirar muito mais daquele livro sozinha, guardei-o na minha bolsa e desci antes que Bia pensasse alguma coisa.

Enquanto terminava de separar os outros livros (Beatriz já tinha feito dois lances da estante), tentei pensar em uma maneira de entrar em contato com Máira para ver se ela podia me ajudar com a descoberta. Não tinha seu endereço exato, então nem uma carta eu poderia enviar. E já estava começando a sentir a garganta seca queimar.

- Falta só uma prateleira. Você acha que consegue terminar sem mim, Bia? Vou subir e me arrumar para caçar um pouco. 
- Ah, claro. Nossa, você ainda está com animo para sair hoje? Eu ainda estou acabada de ontem.
- Eu sei como é. - eu disse nostálgica - É a primeira vez que seu corpo recebe sangue estranho e por isso demora a processa-lo, daí o seu cansaço. Acontece com todo mundo, na minha primeira vez eu abusei, peguei uma mulher que tinha três vezes o meu tamanho e deixei ela sem nenhuma gota no corpo. Hibernei por dias. Mas você vai se adaptando, daqui há alguns meses nem vai mais sentir.
- Tomara, mas hoje vou deixar você sem companhia mesmo. Eu termino aqui, mas já que você vai subir se incomoda de levar meus bonsais pro meu quarto? Vou bota-los numa caixinha especial.

Bia tinha aprendido com os avós a cultivar bonsais e botou três deles em cima da nossa mesa de centro, acho que era pra dar harmonia na casa ou algo assim. Eu até achava os bonsais bonitos e concordava que era legal ter um pouco de vida na casa. Fui até os vasinhos de onde brotavam as pequenas árvores. Ao lado deles, estava o jornal que seria entregue às bancas na próxima manhã. Minha surpresa não foi o jornal em si, Lucas continuava com o hábito que trouxe da Europa conosco, mas sua manchete.

“SUICÍDIO OCORRIDO NA MANHÃ DE ONTEM CHOCA MORADORES DE PRÉDIO DO LEME” - diziam as letras garrafais. Mais abaixo ainda podia se ler em uma tipografia mais modesta - “Garçom de tradicional boate da Zona Sul se atirou do quarto andar do edifício nas primeiras horas desta manhã sem motivo aparente. Entrevistamos a moradora do apartamento. Mais nas páginas 06 e 07.

E na foto que ilustrava a matéria estava Máira numa camisola de renda bastante justa e decotada trazendo uma expressão de preocupação e transtorno no rosto.

Aposto que o jornal vai vender bastante amanhã.

Nas páginas indicadas na chamada encontravam-se mais detalhes do caso, entre eles o endereço do apartamento. Eu estava pensando em retornar ao puteiro onde conheci Máira ou até a Confeitaria Colombo naquela noite, mas aquela reportagem me ajudou bastante em saber onde ir.

- Alguma coisa interessante no jornal? - Bia tinha acabado de guardar os livros e agora me olhava interessada. Eu tinha esquecido que ela estava na sala.
- Vão fechar a rua da praia para uma passeata no fim de semana de novo, acredita? Odeio quando eles fazem isso, muito tumulto. - minha mentira soou convincente pois havia acontecido algo semelhante no mês anterior - Bom, melhor eu tomar um banho e trocar essa roupa. 

Peguei os bonsais e o jornal.

- Vou deixa-los no seu quarto. Até mais tarde, Bia.

Na banheira, eu ainda passei as páginas do livro com o crucifixo invertido uma última vez afim se poderia levar alguma coisa para Máira. Nada. Me vesti e peguei um taxi para o Leme. Lembro do taxista ter dito algumas gracinhas, o que me irritou. Mas precisava dele até que chegássemos no endereço mostrado no jornal.

Depois, no entanto, não precisava mais.

Existe uma realização pessoal um tanto quanto cruel no momento em que você percebe ser capaz de secar uma presa até quase os ossos sem desperdiçar uma só gota. Minha blusa branca e minha saia pretas saíram imaculados do taxi que eu havia pedido para parar num beco, logo atrás do prédio de Máira.

Era um prédio novo para época, com seis andares e uma arquitetura moderna bem chamativa. As varandas eram largas e, especificamente a do quarto andar mostrava luzes acesas no interior do apartamento. Ela estava em casa. Subi o lance curto de escadas que levava ate a portaria, que às 22h, ainda mantinha seus portões abertos. O porteiro acordou com um sobressalto quando eu chamei seu nome e se benzeu por reflexo. 

- Meu Deus! Dona a senhora me assustou.
- Não sou senhora ainda. - disse friamente - E acredito que Deus tenha um pouco mais de barba que eu.

O homem percebeu que eu tinha ficado incomodada e seguiu tentando ser profissional.

- Perdão, senhorita. Como posso ajuda-la?
- Vim visitar minha amiga. O nome dela é Máira e ela mora no quatrocentos e d…. - deixei a frase no meio por ter medo de ter cometido uma gafe grave. O jornal dizia o endereço, mas mantinha Máira como testemunha anônima. Talvez ela tivesse dado outro nome ao se instar ali e...
- Quatrocentos e dois. Uma tragédia o que aconteceu, você sabe que eu vi o corpo caindo com tudo aqui na calçada? Tem cada pessoa maluca hoje em dia…bom vou interfonar para ela aqui. Qual é o nome da senhora?
- Carolina. Carolina LeBion.

Ele discou um número e apertou um botão vermelho no aparelho que ficava em sua mesa. A voz de Máira soou do outro lado.

- Oi, dona Máira. Tem uma senhorita Carolina aqui, posso mandar subir?
- Carolina… Carolina… - ela parecia estar pensando.
- LeBion - eu o lembrei apenas com os lábios e sem nenhuma voz.
- Isso, Carolina LeBion.
- Aaaah, é uma ruiva?
- Isso mesmo.
- Não, odeio essazinha aí.

Ele e eu nos olhamos surpresos.

- Brincadeira, pode subir sim. - ela riu como se estivesse ali vendo nossa expressão. - Mas você deveria ter cuidado com essa aí, Jonas. Ela morde.

Ele sorriu e fez sinal para eu subir sem saber que, daquela vez, Máira tinha dito a verdade.”