terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Ver046



Meus sentidos estavam mais aguçados do que o normal enquanto corria para trás do prédio procurando alguma entrada nos fundos, a urgência da ocasião me deixava mais alerta. Encontrei uma saída de emergência fechada, a porta de metal verde se destacava do prédio, que tinha tons terrosos. Sempre imaginei que saídas de emergência deveriam ficar desobstruídas, mas havia um cadeado que eu quebrei sem muitos problemas apenas puxando-o para baixo. As dobradiças enferrujadas da porta rangeram quando eu a abri, e por um momento eu poderia jurar que alguém se aproximaria me obrigando a agir, mas o barulho apenas se dissolveu no ar da madrugada.

Máira pesava em meu ombro, e eu senti um pequeno alívio ao deita-la no chão, mas não havia tempo para descansar. Com cuidado, rolei seu corpo para dentro do prédio e vi que pedaços da sua segunda pele ficaram em meus dedos. Limpei na barra do vestido que já estava sujo e chamuscado enquanto seguia para a entrada principal do prédio. Era arriscado, mas eu precisaria usar a porta da frente, precisaria que o porteiro me deixasse entrar. Tudo que eu podia fazer era torcer para que ninguém resolvesse usar a escada de incêndio naquela noite. Jonas, o porteiro, outra vez dormia debruçado na mesa de recepção e, do tapete que dizia “Bem-Vindo” eu bati palmas para que ele acordasse.

Jonas que era careca e aparentava mais idade do que realmente tinha, buscou os óculos para me por em foco e, com o rosto ainda amassado de sono, sorriu para mim dizendo:

- Ah, eu lembro de você! Amiga da Dona Máira. Caramba, - ele checou o relógio bocejando - está bem tarde…
- Eu posso entrar? - disse ignorando suas frivolidades.
- Ué, claro que pode, Dona. Por favor, entre. - Jonas estranhou a pergunta, mas logo eu estava passando pela sua mesa num passo apressado - Ei, a senhora se incomodaria de esperar um pouco? Preciso interfonar lá para cima. 

Voltei até sua mesa sabendo que eu deveria negociar com ele apesar de não ter muito tempo para isso. Passei a mão pelos cabelos, sorri e falei:

- Precisa mesmo? Você viu que ela me deixou subir outro dia. Acho que podemos pular essa parte não é? - terminei piscando para ele.
- Desculpe senhora, - ele respondeu visivelmente incomodado de ter que fazer aquilo - é a política do prédio.

Vi, apreensiva, ele digitando os números no interfone. Podia ouvir meu próprio coração compassando acelerado, sentia minha garganta seca apesar de ter bebido sangue há menos de uma hora. No tempo que o interfone levou tocando lá no quarto andar para ninguém, eu pensei no quanto Lucas ficaria furioso se eu fosse descoberta e tivesse que matar todos naquele prédio. Sem resposta, Jonas retornou o fone ao gancho e me perguntou:

- A senhora tem certeza que ela está em casa? Não vi dona Máira hoje.
- Tenho, - menti usando minha melhor cara de amiga dedicada - na verdade, ela está doente. Me acordou agora no meio da madrugada por estar sentindo dores muito fortes e pediu para que eu viesse o mais rápido possível. Se ela finalmente pegou no sono, o senhor não acha que podemos evitar acorda-la?

Ele ponderou mais tempo do que eu gostaria, era um daqueles poucos incorruptíveis que gente encontra por aí. Rezei para que ele não insistisse, caso contrário eu teria que mata-lo e realmente isso seria uma pena. Ele olhou para mim e julgou que eu não faria nada de mal.

- Você tem a chave?
- Tenho, ela me deu uma cópia.
- Tudo bem, pode subir. Uhh, bom…se puder não falar nada sobre eu estar dormindo…
- Claro que não, fica sendo nosso segredo. - respondi já passando por ele novamente.

O portão de metal da saída de incêndio estava aberto conforme deixei. Peguei Máira e quase a deixei cair, foi quando percebi que minhas mãos suavam. De novo a pus em meus ombros e subi em silêncio pelos oito lances de escada que me levariam ao seu andar. Nenhum vizinho de Máira passou por mim nos degraus, e o seu andar estava vazio. Agradeci por isso, porque meu plano era cuidar dela ali mesmo, no corredor. Pelo menos até que ela tivesse com o mínimo de consciência para autorizar que eu entrasse em seu apartamento. Mas quando já estava em frente à sua porta ouvi o barulho de passos e um molho de chaves balançando no interior do apartamento defronte ao dela. Eram duas pessoas, e eu poderia senti-las se aproximando da porta. Torci para que voltassem, que desistissem de sair, afinal já passava das 4am.

Eles não recuaram, eu tinha somente duas opções àquela altura, atacar o casal ou entrar no apartamento de Máira sem autorização e lidar com o que acontecesse. Nunca tinha cruzado essa linha e nem soube o que efetivamente poderia acontecer comigo se o fizesse. Somente imaginava que seria ruim.

A chave foi posta na fechadura do outro lado do corredor, me vi obrigada a agir naquele exato momento.

A porta se abriu. Escondida na esquina do corredor eu podia ouvi-los, notei que eram um casal que se despedia. Aos meus pés, Máira fez um ruído asmático que denunciou nossa presença. Prendi a respiração esperando que aquilo passasse despercebido, agora já quase não havia segunda pele cobrindo seu corpo e pude ver expurgos de um malcheiroso líquido esverdeado saindo de sua boca. Não havia muito tempo.

Máira arfou buscando ar outra vez.

- Que barulho foi esse? - indagou a voz feminina.
- Deve ser o cachorro do 408. Além de feder, aquele pulguento fica latindo de madrugada.
- Aquilo não foi um latido.
- Você se preocupa demais, amor. Não tem perigo. O Jonas é o sujeito mais caxias que tem, nunca deixaria alguém entrar sem ser avisado. E o prédio todo tem sistema de alarme. Perigoso mesmo é você ir embora daqui a esta hora. - a voz masculina se modulou numa insuportável imitação infantil - Tem certeza que não quer ficar, docinho?

Barulhos de beijos. A casa era dele, ótimo, isso facilitaria muito as coisas para mim.

- Pára, Paulo. Você sabe que eu realmente preciso ir. Amanha, na mamãe. Meio-dia, hein? Não se atr...
- Vocês podem me ajudar? - cortei a conversa dos dois saindo da quina que me escondia. Apesar de estar com o coração martelando as minhas costelas a mil por hora, caminhei até eles lentamente, mancando em decorrência de uma dor que não existia. Pus uma uma das minhas mãos na barriga, como quem tenta estancar algum ferimento aberto, e com a outra apoiei na parede.
- Quem é você? - perguntou novamente a mulher.
- Eu estava com uma amiga na praia, fomos assaltadas, levaram a minha bolsa e... - deixei que a frase morresse numa voz embargada enquanto sentia lágrimas descendo com calma pelas minhas bochechas. Lembrei de Wolfgang, um diretor de teatro alemão que conheci quando a minha companhia de ballet foi de Paris à Berlim para uma apresentação.

"O teatro perdeu uma grande atriz.", era o que Wolf costumava dizer a cada vez que eu negava seu convite para ficar na Alemanha em seu grupo. E parecia que ele estava certo, porque enquanto a mulher insistia em perguntar quem eu era, aquele que parecia ser Paulo veio até mim prontamente.

- Meu Deus! Você veio da praia até aqui? Esses vagabundos não tem jeito mesmo, vem comigo. - ele pôs o braço que me segurava na parede em seus ombros e caminhou comigo em direção ao seu apartamento. - Vamos ligar para polícia e eu te faço um copo de agua com açúcar ou um drink se você preferir.
- Você vai levar essa mulher para a sua casa? - protestava a outra - Nos mal a conhecemos! Ela pode ser uma assaltante, li no jornal que tem muitas mulheres entrando para o crime hoje em dia.
- Se ela quisesse nos assaltar, já o teria feito. Fui educado para nunca deixar uma dama em dificuldades, você sabe disso. - ele parou a poucos passos da porta e, com cuidado se virou junto comigo em direção àquela que reclamava - Você vem ou fica, Eliane?
- Eu vou para casa! - ela respondia visivelmente contrariada - E saiba que teremos uma conversa séria amanha, Paulo Ricardo!
- Obrigada - eu sussurrei em seu ouvido enquanto ouvia os saltos de Eliane se encaminhando para o corredor, em breve ela iria ver Máira no chão. Eu precisava faze-lo dizer.

A um passo de passarmos da soleira de sua porta, eu endureci. Paulo não esperava aquilo, julgava estar sendo meu apoio e quase caiu quando tentou me guiar por mais um passo.
- Eu posso entrar? - perguntei ainda sussurrando.
- Mas é claro que pode, não se preocupe com Eli, ela está naqueles dias sabe?
- Me desculpe – foi o que eu disse antes de ataca-lo

Em seguida veio o estridente grito de Eliane. Se mais alguem acordasse naquele andar minha situação estaria mais complicada ainda, então quebrei o pescoço de Paulo rapidamente, mas com o cuidado de não causar nenhum sangramento. Ele caiu com um som abafado no tapete de sua soleira.

Em segundos, eu já estava com uma das mãos tapando a boca de Eliane e abafando sua histeria. Ouvia movimentações sendo feitas em dois apartamentos vizinhos, por isso, apesar de querer trata-la com um pouco mais de crueldade, apenas bati sua cabeça contra a parede. Com uma em cada mão, levei Máira e o corpo de Eliane para dentro do apartamento de Paulo. O corpo do proprietário já estava metade lá, e um leve chute bastou para que entrasse todo. Tranquei a porta e, sem respirar aliviada busquei o Livro dos Ofícios na minha bolsa.

Levei Máira até o sofá que havia na sala, seus chifres e rabo já estavam materializados e não havia quase mais nada humano nela. Veias arroxeadas começavam a se desenhar em sua pele alaranjada, imergindo de seu pescoço e irradiando até o peito em todas as direções. Apesar de inconsciente, havia uma expressão de profundo sofrimento estampada em seu rosto. Sentei ao lado dela e comecei a folhear o livro que tinha causado aquela confusão toda, ele pesava sobre as minhas pernas e, em meu nervosismo, minhas mãos pareciam atrapalhadas para virar as páginas com clareza.

Percebi que o céu ia perdendo o tom azul escuro infinito da madrugada pelo vidro da varanda com a visão periférica e corri para fechar aquela cortina, bem como todas as outras que pudessem cobrir a luz da manhã que viria. Ao voltar para o sofá, olhei para minha amiga e imaginei que talvez já fosse tarde para ela, que eu tivesse falhado. Tinha havido sangue demais, e, ao pensar nisso, eu tive uma ideia. Talvez, se eu a mordesse, pudesse sugar todo sangue que a envenenara. Pressionei meus caninos na base de seu pescoço, em uma das muitas veias que agora já eram tão escuras como uma tatuagem, mas à primeira menção de tocar o líquido que veio, minha língua o rejeitou. Viscoso e ácido o fluido verde que ela expelia pela boca era o mesmo que agora estava na minha e, por algum motivo, era intolerável para o meu corpo.

Tomada pela impotência, eu recorri ao livro novamente, achando agora a página que abria o capítulo que tratava de sua casta infernal. Eram cinco páginas, da descrição até o modo de se exorciza-la, todas com colunas de texto mal diagramado e ilustrações sem perspectiva. Como disse, eu ainda não era versada em enoquiano, portanto, à primeira vista, mesmo o livro seria inútil. Minhas lágrimas molhavam o papel amarelecido. Eram lágrimas de ira, de inconformidade por estar de mãos atadas para ajudar alguém importante para mim. Com raiva, passei a mão pelo papel molhado para que as gotas não danificassem a página e minha mão parou bem sobre um desenho que chamou a minha atenção. Parecia um esquema, um passo a passo ensinando algo. No primeiro quadro, mostrava uma versão rudimentar do corpo de uma Aaba, com a boca e olhos abertos, como se estivesse gritando em espanto; e, nos outros, pares de mãos despejavam um líquido escuro em sua boca aberta, seus ouvidos, seu nariz e mesmo em seus olhos. Nesta exata ordem.

O Livro dos Ofícios nunca me ensinaria a salvar Máira, aquilo foi uma esperança desesperada. A publicação foda dada aos mortais para nos condenar, afinal de contas. Então, inferi que aquele esquema ilustrasse o processo mais rápido de matar uma Aaba. Aquele líquido - concluí - era sangue, e estava sendo posto em todos os seus orifícios. Vendo aquele desenho, uma epifania nasceu em mim. Ela não havia ingerido sangue na batalha, mas com certeza havia tido um contato com o odor e mesmo a visão dele e isso já bastou para que ela ficasse naquele estado. O organismo das Aaba parecia ser bastante sensível à absorção de substâncias. Então pensei, que se eu pudesse fazer com que ela absorvesse algo que fizesse o sangue dentro dela sumir, talvez houvesse alguma chance.

Quando perdi a minha virgindade eu tinha dezessete anos, a mesma idade do filho do cocheiro de meu pai. Eles moravam numa casa não muito longe da nossa, na mesma propriedade, e isso facilitava muito nosso contato. Quando os primeiros sinais de puberdade despontaram em nós, papai resolveu dar um baile por algum motivo que já não recordo e, como de costume, convidava a alta sociedade da cidade e seus empregados sem qualquer diferenciação entre eles. Dançamos uma valsa juntos e eu o levei para o meu quarto, onde tivemos juntos nossa primeira experiência. Nervoso, mas satisfeito, ele saiu antes que o baile acabasse e voltou à sua casa. Eu fiquei na cama o resto da noite.

Acordei na manha seguinte sob os olhares da minha mãe preocupada e histérica. Havia uma mancha de sangue em meus lençóis. “Pecado!” e “Desonra!” dizia a minha mãe desesperada, afirmando que aquilo não poderia ser visto fora de meus aposentos. Expliquei o que havia ocorrido e ela prontamente mandou um criado demitir a família do cocheiro e tira-los da propriedade imediatamente. Meus protestos foram em vão, ela me trancou no quarto e disse para que eu dissesse a qualquer um que tocasse à porta que estava doente enquanto ela resolveria tudo. Algumas horas depois, ela voltou com minha ama. Eu perguntei do rapaz, para onde ela o tinha mandado e minha mãe apenas me disse que ele nunca mais me veria de novo. Em seguida, mandou que a ama começasse. Ela trazia um balde em uma das mãos e um esfregão na outra, com a habilidade que apenas a experiência pode dar, ela tirou meus lençóis manchados da cama e molhou o esfregão na solução espumante que trazia. Luvas protegiam suas mãos.

Após alguns minutos de dedicação sobre o apreensivo olhar de mamãe que ainda me ignorava, a mancha cedeu. O salgue se dissolvia a cada esfregada, restando no fim somente uma marca d’agua que logo secaria ao sol. Lembro de ter ouvido a minha mãe perguntar aliviada para minha ama:

- Como você sabia desta solução milagrosa?
- A pequena Carolina não foi a primeira garota que eu criei, senhora. - ela respondeu resoluta e polida - Já precisei restituir a virtude de ao menos outras cinco moças, e a lixívia ajuda muito nisso.

Seu marido havia estudado botânica e tinha bons conhecimentos químicos, de modo que não era difícil para ela ter acesso a um composto assim. Com os anos, a lixívia perdurou na sociedade, apesar de ter mudado de nome. Hoje em dia é de fácil obtenção, quase todo mundo tem em casa ao menos um frasco. Mesmo sendo conhecido por um nome menos técnico agora.

Água sanitária.

Sem demora, fui ao banheiro de Paulo e lá encontrei um pequeno frasco pela metade da solução diluída. Não era muito, mas teria que bastar. Ela apagou dissolveu meu primeiro sangue, talvez pudesse salvar Máira. Para humanos, ingerir água sanitária, ou bota-la contra os olhos causa morte e danos irreversíveis. Mas era o sangue que dava vida aos mortais e era fatal para ela, talvez o inverso acontecesse com a ingestão de lixívia.

Ou talvez só acelerasse sua morte, mas eu arrisquei, era a única ideia que eu tinha. Fiz com que ela bebesse, despejei sobre suas narinas e ouvidos, e passei sobre os olhos também. Exatamente como estava ilustrado no livro, só que com um líquido transparente, não escuro. Segui o manual e esperei.

Os gemidos asmáticos pararam e as veias iam, pouco a pouco, recuando. Mas nada além disso acontecia. A ansiedade já não cabia em mim, chequei seu pulso e não havia nenhum. Abri um de seus olhos, mas transformada não havia íris para reagir à luz, apenas um mar verde opaco. Minhas esperanças diminuíam conforme o tempo passava. Já era possível ver luz bordando as cortinas da varanda quando finalmente me permiti checar sua respiração.

Máira não respirava.

O sol já nascia, eu não voltaria para casa até a noite. Desolada, caminhei até o banheiro novamente, dessa vez para tomar um banho, já que estava presa naquele apartamento e exausta do dia passado. Minhas lágrimas se perdiam na cachoeira que descia do chuveiro. Não sei quanto tempo passei me convencendo de que aquilo realmente tinha acontecido. Máira estava morta.

Perdida em pensamentos e culpa eu me secava quando fui surpreendida por aquele barulho. Um barulho asmático."



quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Ver045



“É comum nas histórias fictícias e até mesmo nos relatos mais elaborados e precisos sobre nós que evidenciem a necessidade de bebermos sangue, nossa beleza fora de medida que ajuda a seduzir presas humanas ou nossas fraquezas. Mas poucas vezes vi qualquer menção à habilidade que os vampiros têm de enxergar no escuro. A noite nos é clara como o dia e o breu, revelador como um espelho.

Quando as luzes apagaram, as cruzes na mão dos exorcistas emitiam um débil brilho azulado, mas que não os ajudava em nada. Lucas se movia tão rapidamente que nem meus olhos acostumado ao escuro conseguiam captar seus movimentos com clareza. Eu ainda estava muito machucada e o punhal maldito fincava minha panturrilha no chão, mas ao olhar tanto para Máira quanto para Beatriz, vi que elas também não conseguiam entender muito o que acontecia.

Os soldados e soldadas da fé estavam tombando um a um, desnorteados por não saber de onde ou o que os atingia. Lucas poderia ser preciso, mas preferia que eles sofressem. Uma pancada na têmpora ou um pescoço quebrado deixaria a missão mais rápida para ele, entretanto era possível ver que ele se divertia fazendo-os sofrer.

Eu também. 

Ao ver Lucas arrancando os braços de um dos homens que mantinha Bia cativa, lembrei da mulher que quase acabou comigo. Lembrei também que tinha prometido cortar-lhe as mãos. Passei os olhos pelo salão que agora mais parecia um cenário de guerra, as mesas derrubadas para todos os lados, o bar destruído e suas garrafas quebradas no chão derramavam bebidas que se misturavam ao sangue pintava o chão de vermelho. Eu a encontrei de joelhos se protegendo atrás de uma mesa que ela fez de barricada, com uma cruz nas mãos que apontava para cima. Eu podia ouvir a sua reza pedindo proteção, o que só me deu mais vontade de mata-la.

Máira não compartilhava a visão noturna conosco e dado o volume de sangue que havia ali, estava muito afetada. Lucas continuava matando, nossos inimigos continuavam gritando. Beatriz passou para mim correndo e atacou um infeliz que usava a cruz em frente ao rosto, na esperança de que o brilho lhe revelasse algum perigo. Pude ver o horror nos seus olhos quando ela enterrou o crucifixo em sua cabeça sem se importar no dano que causaria à sua mão. Minha irmã estava se vingando, e eu faria o mesmo.

Eu já estava tão machucada que arrancar a adaga de prata que tinha atravessado a minha perna quase não me incomodou. Mancando, eu me aproximei da mulher torcendo para que Lucas não a marcasse como alvo antes que eu chegasse até ela. Ela ainda estava ajoelhada e seus braços ainda erguidos seguravam o crucifixo para o alto. Conforme chegava mais perto sua oração me atacava como um golpe, mas não me fazia parar. Dei a volta pela mesa que a protegia e sem aviso peguei seus dois braços pelos pulsos e com toda força os bati contra o meu joelho. Na altura dos cotovelos dela.

O grito de dor foi delicioso, apesar de não ter tido força suficiente para expor a fratura pude ver em seu rosto a agonia estampada. Ela largou a cruz que segurava que caiu no chão. Mas eu queria que ela visse quem estava lhe atacando, então a peguei de volta e obriguei que a mulher a segurasse com os braços quebrados. Não me importei com seus lamentos enquanto aplicava meu peso sobre as articulações do seu cotovelo que já não funcionavam e obrigava o crucifixo que segurava ficasse entre o rosto dela e o meu. Olhei fundo em seus olhos e disse:

- Eu disse que era melhor ter me matado.

Sem dar tempo para que ela respondesse qualquer coisa, usei a adaga prateada para cortar seus dois pulsos com um só golpe. A cruz caiu outra vez, mas dessa vez deixei que ficasse lá enquanto me servia do sangue que jorrava de seus pulsos no escuro. Pouco a pouco, podia sentir minha força voltando. A dor persistia, mas se abrandava a cada momento. Nunca havia provado sangue estando tão avariada, o sentimento de relaxamento foi semelhante à pequena morte. Me entreguei totalmente e fiquei alheia à tudo que acontecia.

Somente quando as luzes se reacenderam eu tirei meus lábios dos braços que agora não passavam de tocos secos. O salão estava em frangalhos, Beatriz havia desistido da matança e estava cuidando de Máira que desmaiara à esta altura. O único de pé em toda Vogue naquele momento era Lucas. Parado, no centro do salão, abotoou o terno negro que usava e fixou o nó da gravata também negra enquanto checava se havia algum sobrevivente.

Havia. A comandante, a mulher da cicatriz no rosto que se chamou de Amanda. Lucas a deixou para o final propositalmente. A cabeça de Hugo permanecia exatamente onde caiu após atingir Amanda minutos antes. Ela, valente, apesar de estar no chão levantava o olhar para Lucas desafiadora. Ela não devolvia o desafio, apenas a fitava com um frieza e tranquilidade.

- Acredito que a senhora estava perguntando por mim antes de sermos interrompidos. - disse enquanto caminhava, passo a passo, até ela - Pois bem, aqui estou.
- Espírito baixo, sujo e repugnante! Criatura das profundezas - ela levantou a voz - acha que eu temo você? Acha que qualquer um na ordem teme você? Mesmo os que caíram aqui na sua emboscada covarde não o temiam. Temos Deus e todos os anjos ao nosso lado. - ela trouxe o livro que havia pegado da minha bolsa junto ao peito - Juramos viver pela cruz e por ela morremos sem medo.
- Amanda, certo? Amanda…Britto Pontes, talvez? Sim, sim. Se, eu lembro do seu avô. “O bravo Britto Pontes” era como eles o chamavam. - ele passou a caminhar em círculos envolta dela, um predador que circunda sua presa - Diziam que ele nunca havia deixado de exorcizar um…como vocês chamam mesmo? Ah, isso “infernal” - sorriu - Seu avô tinha uma fama e tanto. Mas temo que bravo não fosse o adjetivo mais adequado para ele. 

Lucas ia ligeiramente fechando o cerco a cada volta que dava. Parou quando tinha a cabeça sem olhos de Hugo aos seus pés. Ele olhou para ela com certo fascínio e a pegou pelos cabelos longos. A mandíbula sem vida se abriu quando a cabeça foi levantada mostrando o pequeno pênis que ainda se projetava lá de dentro como uma língua. Lucas continuou.

- Você o conhecia? - perguntou com naturalidade para Amanda que não o respondeu - Este aqui demorou para falar. Foram duas horas nas quais precisei me dedicar a mutilações e tortura requintada até que ele me dissesse aonde vocês panejaram a emboscada. Ele me lembrou o velho Britto Pontes. Os tolos da sua ordem talvez chamassem o garoto de bravo também. Mas eu vejo as coisas de outro prisma. Não há bravura em sofrer por uma causa perdida. Não há coragem em esperar por uma recompensa que não virá. O garoto rezou a cada osso que eu lhe quebrava, e eu lhe arranquei os olhos. Ele pediu por proteção quando eu arrancava seus dentes, e eu lhe cortei a masculinidade. Seu avô pedia por piedade quando eu lhe cortei a garganta. - lágrimas escorriam dos olhos impiedosos de Amanda - E isso foi há três gerações atrás. É impressionante como vocês ainda não aprenderam. Não há ninguém ouvindo às suas preces. Ele desistiu de vocês, tempos atrás. Essa obtusidade que vocês chamam de coragem ou bravura, é o que garante que nós continuemos vivos enquanto vocês... - Lucas olhou ao seu redor e sorriu - Bom, vocês nem tanto.

Amanda tentou juntar as forças que ainda lhe restavam para levantar e morrer com alguma honra, mas Lucas não permitiu. Pôs a cabeça do adolescente morto em um de seus ombros e a forçou para baixo, deixando Amanda novamente em seus joelhos.

- Não faça tanto esforço, - ele disse de forma doce - nós já vamos acabar. Eu apenas gostaria de esclarecer isso para você antes. “Deus e os Anjos estão do seu lado”, você disse. Não, minha pequena, Deus abandonou vocês. Quanto aos anjos, no entanto, você tem razão. Alguns deles realmente ainda lutam para manter o status quo. Mas permita que eu lhe conte um segredo: - agora ele estava de frente para ela, desceu o rosto até encostar o lábio em seu ouvido direito e sussurrou - existem anjos do nosso lado também.


Lucas mordeu sua jugular e em questão de segundos a mulher forte e autoritária que quase me matou desfalecia e secava sob nossos olhos. Eu já tinha presenciado Lucas se servir de uma presa diversas vezes antes, entretanto, sua precisão e velocidade ainda me impactavam. Bia, com Máira desfalecida nos braços, o via em ação pela primeira vez. Ela parecia ter esquecido toda dor, seu rosto refletia medo e encanto ao mesmo tempo.

Ao terminar, ele se virou para nós. Não havia uma gota de sangue sequer em seu rosto ou terno. Passou a mão pelos cabelos, que não haviam se desarrumado durante toda a luta e nos olhou com seus frios olhos negros. De mim para Beatriz e depois para mim novamente.

- Vamos precisar conversar sobre isso - e indicou o livro que acabara de tomar de Amanda - Mas depois. Se não for de encontro ao plano de vocês duas para expor e acabar com o nosso clã, gostaria de pedir a ajuda das duas para que possamos camuflar toda essa bagunça. Discretamente.
- Existem dez cadáveres aqui, Lucas. - eu disse - Não tem como nos livrarmos destes corpos todos discretamente. Não no nosso estado.
- Máira veio de carro - Beatriz notou - Talvez você possa parar o carro nos fundos da boate e nós vamos botando os corpos no porta-malas e depois dirigimos até um lugar seguro para nos desfazermos deles.
  
Lucas a olhava incrédulo.

- E onde você sugere que nós nos desfaçamos de dez corpos, exatamente? Todos religiosos, diga-se de passagem. Todos brutalmente assassinados. Consegue imaginar a repercussão que isso pode ter? Eu agradeço a ajuda, Beatriz, mas nesse tipo de ocasião na qual é preciso tomar uma decisão inteligente. 

Lucas caminhou até o que restava do bar da boate e ali encontrou uma garrafa que milagrosamente tinha escapado ilesa de toda a luta. Um whisky de aparência cara. Ele pensou um pouco e tirou o lenço vermelho que ornava o bolso do paletó, o pôs no gargalo ate que tocasse o líquido dourado. Eu já estava mais revigorada e podia sentir meus ferimentos cicatrizando, caminhei até ele quando entendi sua intenção com a garrafa.

- Você não pode estar pensando em fazer isso! - protestei.
- Fazer o que? – Beatriz perguntou.
- Alguma ideia melhor? - eu não tinha - Imaginei. Pense nisso como um sinal de respeito, Carolina. Não faz parte da fé deles dizer que o fogo purifica? Pois bem, vamos purificar seus corpos agora.

Lucas abriu um pequeno frasco que tinha em seu bolso interno e umedeceu o lenço vermelho com ele, do mesmo bolso tirou um fósforo que riscou na mesa do bar e o fez entrar em combustão. A ponta do lenço embebida em álcool também se incendiou ao tocar o fósforo, tornando completo o coquetel molotov improvisado.

- Espera, você vai tacar fogo no lugar? - só então Bia percebia o plano - Não é você que odeia chamar atenção? Um incêndio no meio de Copacabana não é exatamente algo discreto, Lucas. Tenho certeza de que…
- Silêncio! - ele a interrompeu levantando a voz - Ouça, ouça lá fora.
- São sirenes? - agora eu também podia ouvir.
- São. Estão a algumas ruas ainda, é verdade. Mas estão à caminho. Por isso, sim, vamos incendiar o lugar. - ele pegou garrafas que ainda poderiam ser usadas no chão e rasgou tiras da roupa de um cadáver próximo e molhou-as com o álcool. Acendeu as duas garrafas as deixou no bar, com um sinal para que pegássemos. Beatriz deixou Máira com cuidado ao chão e eu pude ver que seu estado era pior do que eu pensava, sua segunda pele estava descolando do corpo em várias partes, seus lábios tinham uma aspecto doentio e manchas roxo-esverdeadas apareciam em seu corpo.

- Ela não parece bem... - Beatriz comentou o óbvio.
- Só vamos acabar logo com isso e sair daqui. - eu respondi preocupada com minha amiga e com as sirenes que agora estavam mais perto.
- As cortinas - disse Lucas - mirem nas cortinas e nos tapetes. Ao meu comando. Preparem-se. Agora!

Lançamos os coquetéis que se verteram em impiedosas labaredas nas luxuosas cortinas de seda e no tapete de pele que se estendia pelo salão de entrada. Lucas preparou mais alguns e lançamos outra vez. Em menos de um minuto a Vogue estava inundada por uma densa fumaça e um fogo feroz brilhava em suas entranhas. Tivemos o cuidado de deixar o caminho para a porta dos fundos livre de qualquer ataque, pois seria por ali que partiríamos. O calor fez evaporar qualquer vestígio da água-benta que fora jogada em mim e eu já não sentia dor alguma agora. Bia não conseguia esconder seu nervosismo no meio de todo aquele foto (eu havia lhe contado que o fogo era uma das poucas coisas que podia nos machucar) e também não conseguiu esconder o alívio quando Lucas mandou que ela fosse atrás do carro de Máira e o deixasse preparado para nossa fuga. De forma desengonçada, ela pôs a Aaba nos ombros e seguiu como um anão que carregava um gigante.

Lucas tinha mais uma última ideia para amenizar os vestígios da nossa aventura naquela noite antes de irmos. Ele pediu que eu empilhasse os dez corpos num só monte enquanto ele puxou, com extrema agilidade, uma das cortinas flamejantes de sua base. Ele estendeu a cortina de fogo como um tapete no chão e nós pusemos os dez corpos lá dentro. O som das sirenes de polícia e bombeiros já era audível por ouvidos humanos quando ele uniu as duas pontas das cortina cobrindo os cadáveres numa espécie de forno e os deixamos lá carbonizando. 

Noticia-se o incidente daquela noite de agosto de 1955 até hoje como um dos maiores incêndios da história do Rio de Janeiro. Dizem que os danos foram fatais e o prédio teve que ser demolido, pois suas estruturas estavam comprometidas, mas não ficamos para ver o resultado de nossa obra. Corremos para a saída e encontramos Bia impaciente com Máira desacordada ao seu lado, entramos no carro e ela deu a partida. 

O vento da madrugada acariciava gentilmente nossa pele que aos poucos ia voltando à hipotermia normal. Lucas ia no banco traseiro comigo e nos guiava para nosso novo endereço, no bairro da Urca. Ele disse que já havia preparado toda mudança e que não precisaríamos mais voltar ao Catete. Máira precisava de cuidados, entretanto. Enquanto nós parecíamos nos recuperar a cada segundo que passava,  sua aparência continuava preocupante. Me pus entre as orientações de Lucas e pedi para Beatriz mudar o caminho. Para o Leme, onde Máira morava.

- É mais perto daqui, e ela claramente está mal. Precisamos fazer alguma coisa. Retorne, Bia.

Ela se preparou para dar a ré.

- Não retorne, Beatriz. - Lucas disse sem qualquer emoção - Mantenha a nossa rota pois temos um compromisso para o qual já estamos atrasados. Esta noite sequer deveria ter acontecido, tem alguém nos esperando em casa.
- Quem? - Beatriz perguntou, ao volante, confusa.
- Não importa quem esteja nos esperando, vai continuar assim. Não podemos deixa-la sozinha nesse estado.
- Não podemos? - Lucas agora parecia interessado na questão - Receio que possamos sim, Carolina. E, falando nisso, desde quando você vem se preocupa com uma Aaba? Até onde eu sei não somos bem vistos na comunidade deles.

Máira, neste momento começou a ter um ataque de tosse crônica e dos seus lábios já acinzentados saía um líquido verde viscoso.

- Beatriz, faz a merda do retorno agora! Preciso ajuda-la e talvez não haja tempo para irmos até a nossa casa. Você lembra o endereço, corre.

Bia engatou a ré e fez um retorno numa manobra rápida. Lucas não mandou que ela mudasse de direção, ao invés disso indagou:

- Gostaria de saber como você vai prover esses cuidados à sua amiga. Carolina, sejamos realistas, você não tem a mínima condição de ajudar essa infeliz. Ela vai acabar morrendo de qualquer jeito.
- Nós já perdemos muita coisa, Lucas. - vi-me dizendo - Perdemos nossa família, perdemos pessoas importantes que tínhamos na nossa vida. Perdemos até a porra da luz do Sol nessa vida que levamos. Mas eu realmente sinto pena de você, se você já perdeu a esperança. É tudo que podemos ter agora.
- Se você quer mais uma responsabilidade para você, ótimo. - Lucas deu de ombros - Mas eu tenho coisas mais importantes a fazer. Vai ser uma pena que você perca a nossa reunião.
- Sobre o que é essa reunião, afinal? - Beatriz indagou.
- Sobre o livro, sobre nós, sobre eles…sobre o mundo inteiro na verdade, e todos os seus planos espirituais. É bom que você vá, Beatriz, assim pode botar Carolina a par dos fatos.

Bia parecia desconfortável, claramente ela planejava cuidar de Máira também. Além do fato de ainda não se sentir totalmente à vontade sozinha com Lucas. Mas e eu a tranquilizei:

- Ele tem razão, você vai à reunião e me conta o que houve. Se é algo realmente tão importante, vai ser interessante ouvir da boca de alguém que não tem o pensamento mais pessimista do mundo.

Lucas silenciou e eu acreditei que tínhamos um acordo.

Chegado ao prédio de Máira, abri a porta e saí do carro dando a volta para pega-la no banco do carona. A acomodei gentilmente sobre os ombros e bati a porta com meu quadril. Antes de sair eu me despedi especificamente de Beatriz.

Enquanto pensava em um jeito de subir ao quarto andar com Máira naquela situação sem ser vista, ouvi o carro dar uma recuada e seguir seu caminho até sumir na rua. Tentava disfarçar a preocupação que me acometia sorrindo internamente da mania que Lucas tinha de sempre supervalorizar seus atos. Qual seria o assunto tão importante daquela reuniãozinha, afinal? Não preferi ajudar Máira, não por alguma sensação de dívida pelo que ela fez na noite que nos conhecemos, mas por realmente valorizar a única amizade que tinha conseguido cultivar em cem anos. 

E, pela segunda vez, deixei de conhecer Rafael."



domingo, 23 de outubro de 2016

Ver044



“Rafael. Hoje sei que dei menos atenção do que devia àquele nome, mas para ser justa ele não significava nada para mim naquela época. Por isso, assim que Bia saiu do meu quarto, troquei de roupa e deitei em meu caixão sem maiores preocupações sobre isso. Já que eu não durmo, na maioria das noites eu apenas fecho os olhos e passeio pelas minhas lembranças até que o sol se canse e eu possa levantar novamente. Entretanto naquela alvorada, ao trancar a tampa do caixão, eu percebi que a empolgação deitada ali ao meu lado. Quando se leva uma vida como a minha, são raros os momentos de real excitação. A maioria das noites, após algum tempo, parecem apenas a repetição umas das outras, como um deja vu monótono e insosso.
 
Mas o tal Livro dos Ofícios trazia a centelha da ansiedade que tanto faltada no meu pós-vida. Em minha cabeça, eu conjecturava as diferentes possibilidades que poderiam se dar com o desenrolar daquela história. No escuro do meu caixão de cedro eu me perguntava se conheceria outros demônios como nós, como seria a travessia para descer ao Inferno? Pensava em tudo que Maíra tinha dito sobre os demônios tão poderosos que habitavam as profundezas e imaginava a extensão das suas habilidades.
 
Será que algum deles poderia trazer Carlos de volta?
 
Este pensamento varou minhas conjecturas como uma lâmina, e como tal, machucou. Me forcei a mudar a direção do que acontecia na minha cabeça e mergulhar em frivolidades. É curioso pensar em como algumas horas podem parecer toda a eternidade.
 
Levantei pouco antes do sol se por e pude ver, através das grossas cortinas que ainda havia um pouco de luz no mundo. Ainda faltava algum tempo até chegar a hora de ir para a Vogue encontrar Máira, por isso, preparei um banho relaxante e passei algum tempo imersa na banheira lendo o livro que poderia definir tanto o destino deste plano, quanto do plano inferior e do superior. Apesar de não conseguir, ainda, assimilar seu conteúdo, era possível sentir a energia que aquelas folhas carcomidas pelo tempo emanavam. E, página após página, lá estava ela. Aquela marca. A triqueta me intrigava profundamente, senti o impulso de tocá-la na casa de Debóhra e apesar de ter sido alertada da possibilidade da consequência de me machucar ao fazê-lo, eu estava de novo querendo encostar naquele símbolo de tinta fresca que parecia pulsar no meio das páginas.
 
Algo nela me chamava, e a cada página que eu passava, chamava mais forte. Pouco a pouco, como se estivesse ausente do meu próprio corpo, vi minha mão se encaminhando para a marca. Eu ouvia as batidas do meu próprio coração se acelerarem, e apesar de ter bebido na noite anterior, senti a garganta secar. Meu indicador estava prestes a tocar a tinta proibida quando batidas na porta me despertaram.
 
- Você não disse a que horas vamos sair. Acabei de levantar, já estou atrasada? - Beatriz perguntava do outro lado.
- Na verdade, não combinei uma hora certa com Máira. Eu estou terminando o banho aqui, o que acha de sairmos umas 21h? - respondi fechando o livro com certa urgência e sentindo que voltava a mim aos poucos.
- Ok, vou tomar um banho também e já desço. - senti seus passos se afastando da porta e depois se aproximando novamente - Você viu se o Lucas voltou para casa?
- Não, fiquei no caixão o dia todo. Mas você sabe como Lucas é, provavelmente já esteja nos esperando na casa da Urca.
- É… - Beatriz soava pensativa - Você deve acabar o banho antes de mim, se incomoda de receber os homens da mudança?
- Não, pode deixar comigo. - respondi, ainda sentindo a garganta seca.
 
Saí da banheira e me sequei com calma, ainda olhando para o livro misterioso. Sempre fui atraída por mistérios, gosto de entender do que se tratam e, mais do que tudo, de resolvê-los. E estava animada para resolver aquilo logo.
 
Quando os homens chegaram, precisei me segurar para não ataca-los enquanto carregavam as caixas de mudança para o caminhão. Eram três, não muito atraentes, mas robustos e bastante vigorosos. Minha força de vontade foi maior que a minha sede e eles seguiram para minha futura casa em segurança. Bia apareceu na sala e perguntei a ela se o homem que atacamos ontem havia saciando-a, ela disse que sim. Estranhei minha necessidade de beber sendo que havia me alimentado à poucas horas, mas logo o livro tomou novamente meus pensamentos e comecei a conversar com a minha irmã sobre a noite.
 
Chamamos um taxi pouco antes da hora marcada e em pouco tempo estávamos na luxuosa Vogue. O ambiente não havia mudado muito desde a última vez que havíamos estado lá, mas eu senti um leve impacto assim que passei pela porta principal. O homem que segurava as grandes portas de vidro foi educado e se prontificou a guardar o casaco que Bia usava e, após ela declinar, nos levou até uma mesa, que aceitamos após perceber que Máira ainda não havia chegado.
 
- Não foi este homem que nos recebeu da outra vez, foi? - Beatriz notou.
- Não, e a cantora era uma mulher. - indiquei o homem que cantava Sinatra no pequeno palco ao fundo do salão - Tomara que Máira não demore muito, quero discutir isso logo.
 
Um garçom que obviamente não era o mesmo que nos atendera da outra vez veio acompanhado de uma moça que era estranhamente familiar a mim. Ele nos trouxe a carta de bebidas e se oferecei para que anotar o nosso pedido. A mulher ao seu lado nada disse, mas percebi que ela me examinava minuciosamente. Eu pedi um bordeaux e Bia um licor. Quando os dois se foram perguntei:
 
- Aquela mulher é familiar, não é?
- Aquela garçonete? Não, nunca a vi antes. Ao menos não me lembro dela. Posso vê-lo? - Beatriz pegou a bolsa que eu tinha posto em cima da mesa. Onde estava o Livro dos Ofícios.
- Não sei se é uma boa ideia, Bia… Vamos esperar Máira chegar, certo?
- Acho que você tem razão. - o garçom veio, dessa vez sozinho, trazer nossas bebidas. Depois que ele foi embora, ela baixou a voz e continuou - Eu estou curiosa, como ele era? O garoto na jaula. Nunca vi nenhum desses padres que você e o Lucas falam tanto.
- Eu também não os encontrei muitas vezes. E é melhor que continue assim, lembra quando eu te contei que havia uma outra pessoa que morava conosco antes de você? Manoela. Lucas a matou por ela ter exposto nosso segredo em uma crise de ciúmes e isso atraiu a atenção da Ordem. Tanto ele quanto ela quase foram mortos por uma única mulher. Eu a matei, mas por um momento de descuido de sua parte. Eles são extremamente empenhados e perigosos e fora que são sempre acompanhados por uns anjos insuportáveis e...
 
Neste momento, um dos garçons apareceu encaminhando Máira até a nossa mesa. Ele puxou a cadeira para que ela sentasse e se retirou com visível pressa. Todo o ambiente no clube estava muito denso. O homem ao piano já não cantava mais, agora entoava algum dos noturnos de Chopin e os poucos clientes nas outras mesas não pareciam estranhamente tensos. Tudo era muito estranho ali, naquela noite, mas foi o olhar no rosto inquieto da minha amiga que evidenciou que algo estava errado. Máira havia perdido a cor morena de sua segunda-pele, eu poderia achar que ela estava doente, se doenças nos acometessem. Olheiras escuras contornavam seus olhos e os lábios estavam secos.
 
- Você já está sabendo de tudo? - ela perguntou à Beatriz rispidamente. Bia me fitou confusa por um momento antes de responder:
- Bom, acho que sim. Carolina me disse tudo ontem, sobre a aventura de vocês noite passada.
- Sobre o livro? - Máira insistiu.
- Sim, sobre o livro também.
 
Máira fechou os olhos e suspirou tombou a cabeça sobre as mãos que se apoiavam na mesa.
 
- É, estamos todas no mesmo barco, então.
- Do que você está falando? Aconteceu alguma coisa com você? - eu perguntei.
- Eu voltei para pegar a bolsa lá na casa da Debóhra, lembra? Esperava que ela enchesse o meu saco, falando sobre como eu deveria parar de andar com você e coisas assim, mas tinha certeza que esse era o único perigo que eu corria indo lá. Quer dizer, claro que ainda não teria dado tempo do garoto despertar. - seus lábios se abriram num sorriso sem humor enquanto ela olhava para mim - Ah, mas você é boa, garota. Você é muito boa. Nós demos sorte, Carolina. Saímos de lá na hora certa. Eu toquei a campainha uma vez. Quando fui tocar a segunda, percebi que a porta estava aberta. Entrei, chamei por ela e nada. Encontrei fácil a minha bolsa no sofá da sala onde sentamos, mas achei estranho o silêncio de Debóhra e continuei chamando por ela. Procurei por todo o andar superior e justo quando eu achei que poderia ter certeza que estava sozinha na casa, ouvi dois dos padres subindo as escadas.
- Os sacerdos?! Eu estava justamente falando a respeito deles para Carolina, nunca os vi. - Beatriz se precipitou - E então, você os atacou?
- Você não simplesmente ataca dois sacerdos assim, garota. Eu pude sentir a energia daqueles dois, não seria páreo para eles. Não os dois ao mesmo tempo. Me escondi atrás do armário grande da sala e esperei pelo melhor momento. De atacar ou de fugir, não sabia o que seria antes. Prendi a respiração quando eles entraram na sala. De onde eu estava, podia vê-los sem que me vissem, mas você sabe como eles são - ela disse olhando para mim -, os filhos da puta sentem o nosso cheiro. Mas acho que eu estava com sorte, eles não me notaram. Estavam focados procurando o livro. Depois de alguns minutos eles se separaram e eu arranquei a mandíbula do que ficou na sala enquanto fugia pela janela.
- Como eles poderiam saber do livro? - perguntei apertando a bolsa sobre o meu colo.
- É difícil dizer com certeza, mas é provável que seu admiradorzinho tenha dado um jeito de fugir da jaula, exorcizou a minha irmã, se mandou para o clubinho deles e deu com a língua nos dentes quando chegou lá. Agora eles sabem que o livro existe e quem o tem em posse.  Você disse o seu nome pra ele, Carolina - Máira disse isso num sussurro - Acho que chegou a hora de você contar pro Malta o que aconteceu. Para a segurança de vocês duas.
 
Neste momento se aproximou o garçom, aquele que havia atendido Bia e a mim quando chegamos. Ele trazia uma taça equilibrada sobre uma bandeja e a ofereceu para Máira que ficou surpresa e disse:
 
- Desculpe, meu bem, eu ainda não fiz o pedido. Você deve ter se equivocado.
- Não. - disse o garçom sorrindo - Nós estamos bem certos.
 
E subitamente jogou o conteúdo da taça no rosto de Máira que gritou em agonia. Sem dar tempo para que ela tivesse outra reação, ele bateu com a bandeja em sua cabeça e minha amiga foi ao chão.
 
Vendo aquilo, eu e Beatriz nos pusemos à postos para atacar. Minha intenção era acabar com aquele garçom maldito sem demora, mas antes que eu pudesse fazê-lo, um outro homem, que estava sentado à algumas mesas de distancia da nossa veio correndo em minha direção e me derrubou. O homem era gordo e se pôs em cima de mim, me comprimindo com seu peso. Ele pôs o antebraço em meu pescoço afim de me imobilizar enquanto procurava algo em seu paletó, provavelmente uma arma. Mas ele nunca a encontrou, ao ver o mínimo momento de distração em seus olhos, eu passei as mãos sobre sua testa e queixo e quebrei seu pescoço com um baque seco.
 
Após tirar o brutamontes de mim e voltar a me orientar eu vi a mulher novamente, aquela que eu achara familiar assim que chegamos à boate. Ela estava investindo contra Beatriz com uma adaga de prata. Eu a vi, e dessa vez a reconheci. Era a mesma mulher que fumava debruçada na janela do prédio vizinho à casa de Debóhra. Rapidamente, as coisas passaram a fazer sentido. A emboscada, o ataque, tudo. Eram todos sacerdos ali, funcionários e convidados. Eu tentava manter a calma, mas o desespero estava tomando conta de mim. Olhando envolta, eu podia contar oito deles no meu campo de visão, mas era impossível saber quantos realmente existiam ali. Bia se livrou do ataque da mulher e gritou um alerta para mim.
 
Me virei e pude ver outro homem vindo em minha direção, estaca e martelo em punho. Este era atlético e sua ira era sensível, seus olhos assassinos estavam focados em mim e eu só tive tempo e recuar alguns passos até que ele completasse o ataque. Sua estaca errou meu coração, mas fez sangrar meu ombro esquerdo quando foi enterrada quase até a metade. Meu braço estava inutilizado, mas ainda assim eu consegui fechar a boca em seu pescoço enquanto minha mão boa se fechava sobre o seu pulso do martelo. Meu sangue e o dele se misturavam ao vermelho do meu vestido.
 
Gritei de dor ao arrancar a estaca do meu ombro ferido, mas não tive tempo de respirar, pois a mulher que havia me visto da varanda me atacou por trás e passou um rosário pelo meu pescoço, o que me queimou ao mais leve toque. Enquanto eu sofria, ela passou as mãos pela minha cintura e agarrou o laço que havia em vestido, na altura da barriga. Senti seus dedos puxarem as pontas do laço com força ate quase rasgarem, o ar se foi de meus pulmões e pude ver um outro sacerdo desferir um golpe contra Máira antes de cair sobre os meus joelhos.
 
A mulher que me atacava tomou meu cabelo pelas mãos e os puxou para si. A mesma adaga de prata que ela usou para atacar Beatriz agora se preparava para cortar a minha garganta exposta. Meu pescoço parecia estar em chamas, eu não conseguia falar ou respirar e meu ombro esquerdo latejava, mas foi quando ela derramou um frasco de agua-benta sobre a minha testa que eu realmente senti o que era dor.
 
Meu vestido não tinha gola, então o líquido sagrado corria pelo meu rosto, pescoço e colo, ate descer queimando pelos meus peitos e barriga. Ouvi o frasco vazio se quebrar quando ela o arremessou no chão e senti o aperto em meus cabelos ficar mais forte quando ela se preparava para cortar a minha cabeça. Pela primeira vez achei que tudo estaria perdido.

Seu braço levantado com a adaga em punho foi a última coisa que eu vi antes de fechar os olhos e esperar pelo pior. Entretanto, o golpe foi detido por uma voz. Um grito de comando, pelo que eu pude entender em meio àquele sofrimento. Ainda tendo os cabelos seguros pelas mãos da mulher, fui obrigada a acompanhar seus passos enquanto ela parecia me levar de volta para o meio do salão. Jurei que cortaria aquelas mãos se saísse viva dali.

Ao abrir os olhos, eu vi outra mulher à minha frente. Esta, era bela, mas trazia uma vil cicatriz que rasgava sua boca e subia até a orelha direita. Seus cabelos eram poucos, batidos rente à cabeça como os cortes masculinos da época. Meus olhos ardiam e era dificil mente-los abertos, mas ainda assim não era difícil perceber que esta mulher com a cicatriz tinha uma posição de liderança naquele grupo. Pela visão periférica pude ver Máira segura por três homens junto à parede e Beatriz, pobre Beatriz, usava um colar de alho apertado como uma gargantilha e tinha duas lâminas atravessando seu ombro esquerdo.

A mulher da cicatriz, que usava salto caminhou até Beatriz, que era a que parecia ter o estado mais enfraquecido de nós três. Uma mulher e um homem seguravam minha irmã. Ao ver sua líder se aproximando, eles forçaram aos braços de Beatriz para que ela se curvasse. A mulher da cicatriz se apresentou como Irmã Amanda e teria dado um sorriso acalentador, não fosse a deformidade em seu rosto. Ela levantou o queixo de Beatriz com a base de um crucifixo, o que fez Bia dar gritos insuportáveis e a olhar para ela.

- Aonde está o livro? - Amanda perguntou sem qualquer reação. 

Beatriz não respondeu e a cruz foi novamente pressionada contra ela. Desta vez na testa. Irmã Amanda repetiu a pergunta.

- Aonde. Está. O. Livro?
- Eu não sei. - os olhos de Bia encontraram os meus por um momento e ela me disse com eles que não iria dizer uma palavra. Eu amei Beatriz naquele momento. - Eu não sei do que você está falando.

Amanda voltou a se erguer e limpou o crucifixo na barra do vestido preto que usava. Fez sinal de que o homem e a mulher que seguravam seus braços podiam solta-la e quase instantaneamente, ela caiu. Apoiou as duas mãos no chão para aparar sua queda. Amanda fez questão de pisar nas suas mãos com o salto fino enquanto passava. Beatriz chorava.

Olhei para Máira e vi em seus olhos a mesma falta de esperança que eu sentia. Estávamos perdidas, as três. Feitas prisioneiras daquelas pessoas, que diziam estar “do lado do bem” mas não mediam crueldades e sadismos para conseguir o que queriam. Eu fiz um esforço com toda a minha força para me soltar da mão que segurava meus cabelos, mas só que consegui foi fazer a dor aumentar. Amanda se pôs no centro do círculo e, sem nenhuma aparente preocupação disse:

- Peço que simplifiquem as coisas. Não me causa prazer causar sofrimento à vocês, somente Deus tem o direito de fazê-lo. Mas entendam, aqui nós representamos Deus. E por isso estou autorizada pela Santa Igreja me valer de todas as formas de persuasão que puder para que vocês me digam algo que eu prefiro perguntar amigavelmente. Eu sei que uma das três tem o Livro dos Espíritos, um jovem do nosso corpo de aprendizes conseguiu fugir das garras de uma da sua espécie - ela disse para Máira - e nos contou que vocês tem o livro em sua posse. Contou que ele mesmo o teve em mãos, mas não estava respondendo por si. Então, novamente, eu peço que entendam que já estão condenadas e cooperem. Vai ser mais rápido para todos aqui. Onde está o livro?

Nenhuma de nós respondeu, outra vez.

- Bom, - Amanda disse com falso pesar - acho que teremos que começar os trabalhos então. João, traga-me a caixa.

O mesmo homem que abriu a porta para nós quando chegamos tirou da parte debaixo do bar uma valise muito semelhante a uma caixa de ferramentas, com o único detalhe que era ornada por símbolos cristãos. 

- E agora, por quem começaremos? A Aaba truculenta ou a filha de Lilith com cabelos de fogo? - ela decidiu. Fez sinal para que minha captora me soltasse e sentir meus cabelos caindo sobre mim novamente foi um breve momento de alívio. Máira esbravejava para que ela fosse escolhida e não eu, mas Amanda a ignorava. Ela ajoelhou ao meu lado e pousou a caixa de ferramenta entre nós. Lá eu pude ver um arsenal de pequenas armas de corte e de contato. 
- Tive informações de que você é protegida de Lucas Malta também. - Amanda falava enquanto separava seus equipamentos de tortura - Sabe, meu avô foi morto por ele. Meu pai me contava histórias sobre ele. Eu consegui esta cicatriz ao procurar as pistas dele junto com minha favrashi protetora. - ela escolheu um punhal prateado que se formava em três dentes afiados - É de seu histórico não acumular muitas parceiras, seu clã sempre foi pequeno. Ele me tirou muita coisa, ruiva. Não preciso de muitos motivos para retribuir o favor, então não me dê. Só me diga agora onde está o livro, e mais, onde está Malta?

Eu, que havia escutado tudo isso de cabeça baixa, pela primeira vez a encarei nos olhos. Meu corpo todo doía, mas eu meu ódio me dava forças.

- Você não devia ter me soltado. - eu cuspi em seu rosto - Agora eu vou te fazer outra cicatriz como esta e terminar o serviço que deixaram pela metade.

Antes que eu avançasse, no entanto, a mulher da adaga a enfiou fundo na minha coxa, fincando-me no chão. A dor nova dor suplantou todas as antigas e, enquanto eu a assimilava, senti uma das pontas do punhal invadir a minha boca.

- É uma boa idéia, mas que tal eu lhe dar este presente? Poucas coisas me dariam mais prazer do que desfigurar este rosto tão bonito. Última chance, demônio, onde está o livro?
- NA BOLSA PRETA! - Máira gritou surpreendendo a todos. - A merda do livro está na bolsa preta, ok? Agora acabe logo com isso, sua puta! 

Após revistarem a minha bolsa e checarem a autenticidade do livro, Amanda voltou a mim. Ela ainda não estava satisfeita. 

- Ótimo, viu? Vocês aprenderam a cooperar bem rápido. Mas eu tenho mais uma pergunta a fazer antes de, como você disse, “acabarmos com tudo”. Onde está seu mestre? Onde está Lucas Malta, vampira?

Um objeto a acertou em cheio após dizer isso. O punhal com o qual ela me ameaçava voou de sua mão e se fincou no chão da boate bem ao seu lado. Amanda se levantou do golpe inesperado e gritou ao ver o que havia lhe atingido. Era uma cabeça, com os glóbulos oculares arrancados, os ouvidos decepados e a genitália saindo pela própria boca.

Era a cabeça de Hugo.

- Eu estou aqui. - a voz de Lucas vinha do teto do salão.


E as luzes se apagaram assim que ele terminou a frase."