sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Ver021



Como disse, depois de tudo que aconteceu o único celeste que eu ainda mantenho contato é Catharina. Claro que ela tem suas responsabilidades agora e eu prefiro não me envolver, mas ela sempre traz um pouco mais de luz quando ela aparece por aqui. Na última visita, que já deve ter alguns meses, estávamos relembrando exatamente esse dia. 

Eu achava que não tinha entendido o que ela disse. A história tinha sido intensa demais, momentaneamente pareceu que Catharina tinha dito que eu era uma espécie de versão atualizada desse tal Carlos.

- Olha, calma. Esse romance…essa história que você me contou. Carlos é algum tipo de antepassado meu, é isso?
- Você pode pensar neste tipo de ligação, apesar de são ser um laço sangüíneo. O que acontece é bem mais simples, vocês são a mesma pessoa, só que pouco mais de um século depois.
- Não.
- Não?
- Claro que não! Porque eu não me lembro de nada disso que você contou então? - eu deveria ter me acostumado que as coisas já não seguiam mais a normalidade mas ainda estranhava - Eu teria reconhecido a Carol no momento que a vi se isso tudo fizesse sentido, e ela também!
- Ela reconheceu. - a voz veio como se declarasse um cheque-mate - Eu não queria, por mim você e Carolina nunca teriam se visto de novo e não fosse Máira aprontar aquela confusão toda acho mesmo que nunca teriam se esbarrado. Mas, lembre-se da noite que passamos no Arpoador, a noite em que você a viu. É constrangedor dizer isso, mas eu não poderia salvá-lo naquela ocasião. Estava nocauteada e Carolina tinha você sob comando dela…se bem que parece que ela ainda tem, não é? Carolina, como todos os infernais do tipo dela, não resistem à sangue. Upyres entram num frenesi intenso e agressivo até atingirem seu objetivo e se saciarem.
- Mas naquele dia ela não me atacou...
- Exatamente. Sua mão sangrava desenfreadamente e ela a tinha na altura dos lábios. Foi ali que ela te reconheceu, Pablo.
- Espera, uma coisa de cada vez. Como você tem certeza de que eu sou uma “reencarnação” do Carlos?
- Eu sei porque fiz questão de ser avisada quando seu espírito voltasse à este plano. Queria te guiar novamente…consertar meus erros.
- E porque eu não lembro de nada disso?!
- Novamente é a dádiva do livre-arbítrio. Pablo, pense: se você lembrasse de tudo o que se passou, em todas as suas vidas neste plano, a probabilidade querer voltar à ativa, seja para se vingar ou para corrigir algo que deixou pela metade, a probabilidade você voltar a ser um sacerdo era bastante alta. Yahweh quando criou os sacerdos levou em consideração a escolha que cada um pode ter de voltar à ativa ou não. Muitos passam muitas reencarnações até voltarem a trabalhar para a Ordem.
- E mesmo após tanto tempo ela lembrou de mim...
- Os sentidos dos upyres são aguçados. E eu te contei o quão traumatizada ela ficou ao sorver o sangue do homem que amava. Aquilo certamente a marcou, arriscaria dizer que nunca esqueceu o gosto ou o cheiro do seu sangue.

Processei tudo aquilo e tudo aquilo que parecia uma fixação irracional passou a fazer sentido:

- Preciso confessar uma coisa.
- Vai dizer que desde que a viu você não consegue tirá-la da cabeça, certo?
- Como voce sabia?
- Pablo, o que você e ela tiveram foi muito intenso. Para os dois. Você podia não se lembrar dela, mas o sentimento é algo independente da memória. Eu achava que sendo ordenado você ponderaria melhor e suprimiria este sentimento mas percebi que esta tática não funcionaria no dia de nossa luta com o berne.
- Mas eu não encontrei a Carol naquele dia.
- Não fisicamente, vou explicar. Os ferimentos que o berne fez em você te causaram alucinações, certo? Então, enquanto está sob efeito deste demônio a vítima fica presa num universo ilusório onde seus desejos mais íntimos, para ela, se tornam realidade. É bom para o berne que pode se deliciar das emoções do pobre coitado enquanto este, de bom grado, se entrega à ele. Naquele dia eu e o sumo-sacerdo Pedro pudemos compartilhar dos seus.
- E quais eram as minhas alucinações?
- Não precisa de plural. Seu desejo mais íntimo e sincero era um só: Carolina LeBion. Você dizia o nome dela com urgência, do modo que um andarilho pediria por agua depois de ter passado dias no deserto. E foi por isso que eu fiquei tão chateada naquele dia. Acabei descontando em você, e me desculpe por isso, mas eu me vi falhando de novo.
- Catharina, você não falhou. Pelo contrário, sendo sincera comigo como você foi agora você só deixou tudo mais claro para mim.
- Vim para cá empenhada em te contar tudo isso, para te mostrar como ela é uma criatura perigosa, que se alimentou do seu próprio amante! Fui pega de surpresa ao encontra-la na sua cama, até então eu tinha minhas dúvidas se ela realmente havia focado as atenções em você. Mas pelo que eu vi, que ela está bem, digamos, empenhada em refazer os passos que fez cem anos atrás.

Fiquei feliz e envergonhado com este comentário.

- Pablo, não torne meus esforços em vão. - era mais uma súplica do que uma ordem - Eu já vi esta situação, sei como ela acaba e, não é bom para nenhum de vocês dois. Encontrei Carolina algumas vezes desde que a deixei naquele apartamento sujo em Paris. Se a antipatia que tive por ela aquando a conheci foi sem motivos, com o tempo estes motivos apareceram. Pablo ela é um demônio. É preciso que vocês entenda isso, ela não é melhor que aquele berne que você derrotou. Ela é uma assassina. Entendo o sentimento que você têm por ela, mas quero te fazer perceber que ela não o merece.

Ela estava certa. Quer dizer, tudo o que Catharina me disse fazia sentido. Se ela fosse minha consciência não teria feito muito diferente. Carol era perigosa, ela mesma me disse que se quisesse já teria me matado. Mas ainda assim eu confiava nela, talvez fosse toda aquela historia intensa que Catharina tinha acabado de me contar. Tinha certeza de que Carol não me faria mal, mas sabia que dizer isso à Catharina era insistir numa luta perdida. Resolvi me esquivar da discussão inútil:

- Catharina, não é melhor irmos descansar? Olha a hora! Amanha preciso estar na Candelária logo depois do almoço. Victor vai nos apresentar aos primeiros passos e quero estar bem disposto. Você vai comigo?

Senti que ela esperava alguma resposta concreta sobre sua última fala, mas não insistiu. Me pareceu cansada também, contar aquilo tinha custado muito dela. Me perguntou se podia passar a noite na minha casa, não queria me deixar sozinho agora que sabia que eu recebia “visitas”. Eu disse que tudo bem e preparei uma cama para ela mesmo sem saber se ela dormiria mesmo.




+++

Levantei com o despertador martelando a minha cabeça. Me sentei na cama e vi que Catharina tinha limpado o meu quarto durante o resto da madrugada. Talvez tenha sido a história que ela me contou na noite anterior que me deixou sentimental, mas aquele pequeno ato de cuidado dela me fez acordar balançado. Como disse, não tive muitos amigos durante a época de colégio e nem depois disso. Catharina se surpreendeu quando eu fui ao seu encontro na cozinha e a abracei forte. 

Depois de comer alguma coisa que tinha na geladeira nos pusemos à caminho da Candelária. Dessa vez não houve ataques no metrô e saímos em segurança na Avenida Presidente Vargas. Seguindo à pé em direção ao tempo eu vi o pobre rapaz que Máira tinha tomado como escravo na última noite que a encontrei. Ele estava sentado perto da igreja em trajes malcheirosos e dentes podres que eu não tinha percebido da última vez mendigando por algum dinheiro. Digno de pena.

Passamos pela figura sem nada dizer, estávamos de passo apressado e, dessa vez as portas estavam abertas. Havia uma missa acontecendo na nave principal e eu não esperava por isso. A igreja não estava exatamente cheia mas mesmo assim eu travei ao ver aquelas outras pessoas ouvindo o sermão do padre Pedro que me viu lá do altar e fez um sinal discreto para seguir a escada que ficava atras do torreão à sua esquerda.

Quando chegamos ao Grande Salão ele também estava mais cheio do que eu esperava além dos meus colegas de treinamento que eu já conhecia, havia um homem e uma mulher conversando em voz baixa. Vi também outras três figuras preto do púlpito onde Victor fazia um discurso que fora interrompido pelas portas que abrimos.

- Atrasado novamente, Pablo. - disse com forçada educação enquanto olhava para o relógio - Acha que alguma vez nos dará a honra de sua presença na hora combinada?

Eu ia responder mas Catharina foi mais rápida:

- Perdão Victor, mas a culpa foi minha. Mantive Pablo acordado até mais tarde ontem com preparativos para hoje, quando me dei conta do avanço da hora fomos dormir mas acho que acabei atrasando-o para o treinamento. Oh, olá Hoan!

Catharina foi em direção à uma das três pessoas que estavam perto de Victor. Hoan era uma moça de baixa estatura, com lindos cabelos loiros e um sorriso carismático. Ao seu lado estavam dois homens, ambos muito elegantes mas com estilos diferentes. Um usava um terno de risca de giz muito bem cortado, daqueles que a família Corleone usava, e cabelos penteados para trás. O outro usava um cachecol fechado sobre o pescoço, tinha cabelos cacheados, óculos brancos no rosto, tinha a pele bronzeada. 

O fato deste último usar cachecol no calor infernal que fazia neste dia me fez ter certeza de quem eles eram. Anjos não sofrem variações de temperatura, são imunes à frio ou calor. Estes eram os Favrashi de Vinicius, Júlio e Gabriela. Catharina e Hoan pareciam amigas de longa data. Me aproximei dos outros alunos. Victor prosseguiu:

- Como eu estava dizendo, gostaria de apresenta-los os outros dois instrutores de nosso modesto círculo: Estes são Eduarda e Marcelo. Eduarda é a pessoa que vai instruí-los na parte psíquica de seu treinamento. Antes de ser uma sacerdo ela se formou em psicologia e com os dois conhecimentos unidos, se tornou a maior especialista do Brasil em qualquer aspecto que toque sensibilidade sobrenatural. Marcelo é nosso historiador, ele tem uma enciclopédia na cabeça. Estudou sobre demônios, de todos os tipos, suas características, seu modus operanti e, mais importante, seus pontos vulneráveis. Acredito que vão aprender muito com ele. Isso é, se chegarem na hora. - seus olhos vieram para mim - Eu, como já sabem, serei seu instrutor de embates físicos, mostrarei todas as armas que temos e os ensinarei como usá-las. Mas hoje deixarei você nas mãos do Marcelo. Por favor, acompanhem-no até a segunda sala à esquerda.

Foram oito horas seguidas de como se originou o mal neste plano. Não muito diferente da história que já conhecemos. Deus criou o mundo, descansou após o sétimo dia e deixou seus arcanjos no comando. Lúcifer, o detentor da luz, achou que seria uma boa oportunidade e montou um levante com alguns outros anjos. Isso causou uma guerra-civil no plano superior e, aparentemente os bonzinhos venceram. Lúcifer e seus anjos caídos foram condenados a viver no inferno e desde então o mundo é polarizado. Nossa função seria parar o avanço desenfreado das forças do plano inferior. 

Marcelo era um homem gorducho com uma barba engraçada que só cobria a lateral das suas bochechas. Era rosado e tinha uma voz monótona. Foi difícil se manter acordado quando ele, por ordem alfabética, foi começando a dissecar cada demônio com suas mínimas peculiaridades. Os primeiros da lista foram os Aaba e eu não pude deixar de sorrir.

Quando ele acabou, acordei Júlio que havia adormecido horas atrás e fomos todos de volta ao Grande Salão. Os quatro Favrashi ainda estavam lá, mas fora eles o lugar estava vazio e, bastante lúgubre. Catharina veio até mim, como os outros foram aos seus protegidos.

- E então, como foi?!
- Ah..um pouco técnico demais, eu acho.
- Bom, é uma parte importante, espero que você esteja se dedicando. O que você pretende fazer agora?
- Acho que vou pra casa - suspirei - estou cansado. Essa aula toda me consumiu. Quer dormir lá em casa outra vez?
- Não. - a negativa dela me surpreendeu - É que hoje nós vamos precisar fazer uma reunião sobre os planos futuros para melhor proteger vocês quatro. A menina que foi surpreendida…Bruna, o que aconteceu com ela nos deixou em alerta. Parece que eles estão se organizando bem para dificultar nosso trabalho, lembra do berne? Não queremos isso de novo.
- Entendi.
- Mas pensei em você ir lá para casa, a reunião não deve levar mais que três horas eu acho. O que você diz?
- Ahn, não Catharina. Não quero ouvir mais nenhum demônio por hoje. Acho que vou pra casa.
- Tudo bem. Nos vemos amanhã, então.
- Sim.

Fui seguindo para a escada em espiral que me levaria de volta ao piso principal da Candelária. Quando estava no segundo degrau Catharina me chamou:

- Ei, Pablo.
- O que?
- Nada de visitas.

Eu sorri e continuei subindo. Visitas, quem me dera.

Ao tomar meu caminho de volta à estação da Uruguaiana comecei a atentar para o som de passos acompanhando os meus. O Rio de Janeiro é uma cidade perigosa e o Centro da cidade não é exatamente seu lugar mais seguro. Os passos estavam mais próximos. Eu tinha a opção de correr, mas preferi me virar e encarar quem quer que fosse de frente.

Vermelho. Era vermelho o vestido dela. Justo, modelava seu corpo como se ela tivesse sido embalada à vácuo. O decote acompanhava o desenho dos seios e terminava cruelmente no limiar de revelar algo mais interessante. A cintura modelada por anos de ballet era marcada agora pelo vestido que se abria para acompanhar fielmente a curvatura do seu quadril. Terminava no meio das coxas e elas seguiam nuas até o sapato preto que cobria seus pés. O contraste do branco imaculado da sua pele com vermelho intenso do vestido era estonteante demais para eu ter algum padrão de comparação. Os cabelos soltos caíam sobre os ombros e escondiam as alças do vestido me fazendo pensar mais naquele decote do que eu deveria. Seus lábios, naturalmente vermelhos, se abriram num sorriso sádico quando perceberam a minha perplexidade e impotência naquela hora. “Impotência” talvez não seja a palavra certa para me descrever.

Eu estava na mão dela e ela sabia.

- Então…eu estava pensando se você estava muito cansado para sair hoje. - a malícia podia ser sentida no ar.

Eu ainda não tinha palavras para responder. Carol sempre me pareceu insanamente sensual, mas naquela noite ela havia caprichado. Ela conseguia me deixar excitado apenas olhando para mim.

- Bom, tudo bem. Se você está cansado eu posso voltar pra casa. Acho que vou ter que brincar sozinha essa noite.

Virou de costas e deu alguns passos. O movimento que o vestido fazia acompanhava o movimento de seu quadril enquanto ela andava foi o que eu precisava para tomar uma atitude. Saí do meu transe e fui até ela. Virando-a de volta pra mim, pus uma mão por trás dos seus cabelos na sua nuca e a trouxe para mim num beijo intenso.

Foi ainda melhor do que o beijo do meu quarto. Eu não tinha sido pego de surpresa dessa vez, tinha tomado a dianteira e, apesar de saber que ela ouviu meus passos mesmo de costas, gostava de pensar que estava com o poder daquela vez. Nossas línguas dançavam e as mãos dela envolveram minha cintura e me puxaram com força, ficamos pressionados um contra o outro. Quando o beijo acabou eu estava ofegando novamente, ainda com o hálito dela nos lábios e me recompondo. Ela, irônica, perguntou:

- Isso quer dizer que você mudou de idéia?

Me tomou pela mão e me guiou pelas ruas do Centro até chegarmos na Lapa e ela me trouxe para cá. O apartamento era um pouco diferente com o que eu estava acostumado na época mas eu não fiz objeções. Percebi que ela abriu a porta sem chave e disse:

- Então é aqui que você mora?
- Não. - ela sorriu - Esse foi só um lugar que eu sabia que ia estar vazio.
- E como você tem certeza disso?
- Quer mesmo saber?

Calei, percebi que não me importava.

À esquerda desta mesa que eu escrevo tem um sofá e foi nele que sentamos naquele dia. Ela era pura luxúria e eu me entreguei sem o mínimo remorso. Valia a pena. Busquei seus lábios como se fossem a única coisa que eu pudesse me agarrar para estar vivo. Minhas mãos passeavam pelo seu corpo inteiro, ela fazia o mesmo.

Minha mão foi subindo em direção ao seu pescoço que meus lábios beijavam tão lascivamente, encontrei um fecho. Eu não estava pensando de modo muito focado naquele momento, os movimentos das mãos dela pelos meus ombros e a coxa entre as minhas pernas tiravam muito da minha atenção mas usei tudo que eu tinha naquele momento. Obviamente meu desejo era puxar aquele zíper de uma vez e explorar cada centímetro dela. Mas me preocupava se ela acharia que era algo muito repentino. Teoricamente nosso relacionamento era secular, mas eu ainda não me sentia como Carlos e pensei que talvez ainda não tivesse os privilégios que ele teve. Estava num dilema até ela se inclinar  até o pé do meu ouvido e dizer num sussurro:

- Meu vestido é bonito, mas ele não vai se abrir sozinho, sabia?

Era tudo que eu precisava. minha mão foi de cima para baixo abrindo aquele zíper que revelaria o corpo mais bonito que eu já vi. Ela levantou e o vestido escorreu do seu corpo como seda. As alças prenderam caprichosamente no volume do seu busto e ela me olhou simulando uma expressão de “O que eu faço? Me ajuda?”

Tirei a camisa que eu usava e a joguei no chão. Minhas mãos pegaram o vestido e o puxaram com força. Seus olhos voltaram a ter o tom intenso de âmbar e ela veio para cima de mim antes que eu pudesse ir até ela. Seu sutiã era preto e rendado, parecia alguns números menor do que o ideal. Os seios que eu beijava estavam espremidos lá dentro, minha boca ia revezando entra os dois. Enquanto isso suas mãos abriram meu cinto e minha calça caiu no chão tal como o vestido dela. Ela arranhava minhas costas com uma das mãos e a outra, dentro da minha cueca, me segurava. 

Carol me jogou de volta para o sofá e sentou no meu colo de frente pra mim. Seu peso e a pressão que ela fazia sobre a minha cintura me enchiam de desejo. A envolvi nos meus braços buscando o fecho do seu sutiã. Não encontrava e depois de algumas tentativas percebi que ela olhava pra mim de cima com um ar zombeteiro.

- Bobo, esse abre na frente.

Meu rosto estava a pouquíssimos centímetros do fecho e eu não tinha visto. Ela habilmente, abriu o sutiã com uma mão só enquanto a outra me guiava para mais perto deles ainda. Quando o fecho abriu, eles praticamente pularam no meu rosto. Seus mamilos eram rosados e o bicos bicos estavam duros apesar de ser uma noite quente. Não tive muito tempo para vê-los pois logo ela inclinou e, com as mãos, pressionou os dois ao mesmo tempo contra o meu rosto.

Carolina estava excitada também, via isso em sua expressão e na freqüência que ela aumentava os movimentos com a cintura. Meu desejo estava no ápice e eu não ia parar. Foi quando minha língua fazia movimentos de pêndulo e se prendia no bico direito dela que eu senti. Foi uma dor aguda, senti seus dedos da mão esquerda marcarem a carne do meu pescoço com as unhas. Foi fundo e no espaço de uma expiração, eu comecei a sentir a ardência. Por reflexo recuei um pouco e ela, que parecia estar longe e voltou a si.

Ficamos sóbrios por um breve momento. 

Sem dizer uma palavra ela saiu de cima de mim e ficou de pé. Eu fiz o mesmo e, depois que me ergui, ela começou a me dar pequenos beijos. Na boca, no rosto, no pescoço, tórax. Carol foi descendo e eu entendi o que viria a seguir. Minha cueca já não conseguia conter meu membro que forçava o elástico e ela mesma se encarregou de tirar o que me prendia. Rígido como eu estava suas duas mãos conseguiam se revezar nas carícias que ela fazia. A língua dela tocou minhas bolas suavemente e isso me fez pulsar nas suas mãos. 

Eu já não era mais virgem mas ainda assim não tinha estado com muitas garotas, Carol tinha literalmente cem anos de experiência e quando ela resolveu voltar as atenções para a atração principal minhas pernas quase perderam a força. Seus lábios envolveram a minha cabeça e ela fazia movimentos de sucção comigo ainda lá dentro. Ela olhou para mim e foi avançando. Agora não era só mais a cabeça, pouco a pouco ela foi me engolindo. Não foi de uma vez, ela fechou os lábios sobre mim novamente e os selou num vácuo aonde qualquer movimento que ela fazia era sentido. E ela fez movimentos, o vai-e-vem da sua cabeça e a língua que me acariciava por baixo. Minha libido já estava em níveis insustentáveis.

Ela não parava, continuava avançando. As mãos me massageavam e o rosto ia seguindo em direção à minha barriga. Minha cabeça chegou na sua garganta e Carol, fazendo algo que eu nunca tinha experimentado, a abriu e me empurrou pra dentro. Ela me olhava enquanto fazia isso. A sensação da garganta abrindo e fechando em mim causou espasmos de prazer. Ela recuava um pouco só para me engolir de novo. Fez isso algumas vezes mas não demorou muito até eu não conseguir mais segurar. Explodi.

Ela me encarou satisfeita e de cima eu a vi engolindo tudo que estava na sua boca. Sentei novamente no velho sofá e ela sentou comigo. Eu, cego pelos meus hormônios, ia me jogar em cima dela outra vez quando a ouvi dizer com uma voz sensual:

- Não precisa ficar nervoso, tudo bem? Eu já fui a primeira algumas vezes.

Nessas situações nosso pensamento fica um pouco mais lento do que de costume, eu fiquei tentando assimilar o que ela queria ter dito com aquilo. Abortei meu movimento e remontei a frase na minha cabeça para tentar encontrar o sentido.

- Primeira? Mas…você não é a minha primeira. - saiu mais inseguro do que eu esperava.
- Como assim? 
- Bom, eu já fiz…quer dizer, eu dei uma festa lá em casa uns anos atrás quando meu pai fez um vôo pra Nova York e bom, uns amigos levaram uma amiga e…aconteceu. - eu não podia ter estragado tudo.
- Então, eu não sou mais sua primeira garota? - Carol se recuou. Estávamos à mil por hora mas aquilo foi uma freada brusca e agora eu não sabia mais para aonde iríamos.
- Mas olha, - tentei justificar desesperado - eu nem lembro o sobrenome dela. Não significou nada eu…eu tinha bebido vodka e você nunca leva em conta coisas que faz sob efeito da vodka, cê sabe.

O quarto que me deixou suado parecia ter a temperatura abaixo de zero agora. Eu não consegui identificar muito bem as emoções de Carolina, ela mudava muito rápido. Ela olhava para mim, mas parecia tão distante. Parecia que estava no passado dela. 

- Nossa, por essa eu não esperava. Então isso tudo…isso tudo você já conhecia?
- Não! - fui acertivo - Claro que não! Você não é a minha primeira mas com certeza você foi a primeira que me fez sentir esse tipo de coisa. Inclusive, aquilo que você fez ali, - me referia à sua habilidade oral - eu nunca tinha recebido nada como aquilo.

Ela voltou a ser a Carolina orgulhosa novamente:

- Ah, mas aquilo não foi nada. Sabe, - a mão direita alisou meu peitoral com certa força - eu acho que ainda posso te mostrar muitas outras coisas. Você e essa garota…teve alguma outra coisa que ela não te mostrou?
- Bom…eu tentei fazer uma coisa e ela não deixou.
- Ótimo - e o sorriso sádico estava de volta.

Eu contei para ela, confesso que um pouco sem jeito, a minha vontade de experimentar pelo outro lugar. Eu já tinha tentado em oportunidades passadas e não costumava ser uma idéia bem recebida por isso falei, mas com medo de estragar tudo de novo.

Ela não demorou muito para entender o que eu estava querendo dizer mas os milésimos de segundo, para mim que estava esperando uma reação dela, se arrastaram. Quando entendeu ela me olhou um tanto quanto surpresa, mas depois sorriu pingando luxúria e se pôs de pé antes mesmo de eu ter certeza se teria meu desejo realizado.

Estando em pé bem na minha frente e de costas pra mim, seus quadris ficavam bem na linha do meu rosto. Foi impossível resistir ao impulso de minhas mãos de tocarem. Tinha uma forma impecável, eu seguia subindo pelas suas coxas torneadas e no fim delas meus dedos descobriram a curvatura perfeita que eu tanto imaginei como seria quando a via vestida. E era muito melhor do que eu tinha imaginado.

Apertei. Apertei com força e senti como ela era firme, sentia como se ela me empurrasse de volta. Minhas mãos estavam abertas, mas mesmo assim não conseguia cobrir tudo que eu queria, de nenhum dos lados. Ouvia ela se divertindo com a minha reação, mas era difícil registrar alguma coisa no estado que eu me encontrava. Tirei as mãos e vi as marcas que meus dedos tinham feito na sua pele branca, era como se uma versão rubra das minhas mãos ainda continuasse ali, apertando ela. Carol se marcava muito fácil, e só a visão daquilo já me fez ter espasmos de prazer. 

A puxei para mim e comecei a beijar as marcas que eu mesmo havia deixado. Senti a sua pele macia e fria nos meu lábios e fiz questão de não economizar nos beijos. Minhas mãos agora iam nas suas coxas, pressionando tudo aquilo contra meu próprio rosto. 

Eu queria me enterrar ali.

Depois de algum tempo cego de vontade, Carol facilmente se livrou facilmente das minhas mãos e deu alguns passos para frente e só então minha visão das coisas ficou um pouco menos embaçada. Voltava a raciocinar razoavelmente. Ela me disse:

- Você tem pensamentos mais divertidos do que eu imaginava, sabia disso? Gostei da sua idéia, e podia deixar voce se divertindo aí mas - ela ia apoiando os joelhos e depois as mãos no chão enquanto falava isso - Acho que você não quer ficar só nos beijinhos, né?

Quando terminou a frase ela estava de quatro, com tudo aquilo virado para mim. Por trás dos ombros eu só conseguia ver seus olhos fixos em mim perdidos entre seus cabelos ruivos que agora estavam revoltos. A visão dela naquela posição me apresentou à um novo nível de excitação, um que eu não regia mais. Pelo contrário, não tive o mínimo controle sobre os meus atos à partir daquele momento. Eu agia por instinto e só isso. Carol pareceu ler isso nos meus olhos quando eu levantei e fui em sua direção. Enquanto eu me aproximava, ela cruelmente abriu um lado com uma das mãos para mim.

Ajoelhei e a trouxe para mim pelos quadris. Ela respondeu isso com um gemido abafado. Tirei a mão dela que voltou a ter o papel de apoio e eu mesmo abri o que queria ver. Ela era apertada, mais apertada do que eu achei que fosse possível. Com a mão esquerda eu comecei a acariciar meu objeto de desejo naquela hora. O indicador acompanhava seu desenho circular e a mão direita começou a agir na parte da frente.

Eu latejava mais forte que nunca. Meu indicador finalmente abriu caminho. De uma vez entrou e ela que estava entretida com as carícias da mão direita deu sinais de que tinha sentido. Rodei o dedo lá dentro depois tirei, e repeti o processo com o dedo médio. E por fim o dedo médio e o indicador ao mesmo tempo. Todos os meu movimentos tinham uma resposta dela. E todas as respostas eram positivas. Carol estava me incentivando.

Quando minha mão direita puxou seus cabelos pra trás, a cabeça seguiu o movimento natural e eu avisei que ia entrar agora. 

- Não seja gentil.

Suas palavras saíram em forma de sussurro. Depois disso ela mordeu os lábios e voltou a olhar para frente. Mesmo tendo usado os dedos ainda estava apertado demais e eu cheguei a pensar que não fosse conseguir entrar ali mas eu só descobriria tentando. E eu tentei. Uma, duas, três vezes com bastante força. Carol gemia com certa apreensão. Na quarta vez eu fui com mais força e ela acabou sangrando quando eu passei. 

A sensação foi sublime. Com o impulso eu me pus até o meio lá dentro de uma vez e a pressão que ela exercia de volta era extasiante. Forcei a outra metade e comecei a repetir movimentos pendulares seguidamente. Carol dizia que não ia caber tudo, que estava doendo mas ao meu primeiro sinal de hesitação me ordenou a não parar. E eu não parei.

Ao contrário, a velocidade só aumentou e cada impulso tinha mais força. Voltei as mãos para o seu quadril e o usava para intensificar os movimentos. Depois de alguns minutos de total suspensão dos sentidos e estando entregue à ela eu explodi e Carol tinha se tornado a minha primeira garota neste aspecto.

Eu ainda estava tentando recuperar meu fôlego quando olhei para ela, já de pé. Me scanneando com aqueles olhos vermelhos, sentia que ela estava satisfeita consigo mesma por ter me deixado naquele estado. Me perguntou se eu já tinha terminado, porque ela ainda tinha fôlego. Pegou uma cadeira, esta mesma cadeira que eu sento para escrever agora e sentou nela virada para mim com as pernas abertas num angulo irresistivelmente agudo. Levantei não por orgulho, mas por desejo. Eu queria mais. 

Peguei seu rosto com uma das mãos e beijei sua boca. Minha outra mão voltou a acariciar seus seios. Sentei na cadeira de frente para ela e pus suas coxas sobre as minhas. Segurei no encosto da cadeira e puxei meu corpo em direção ao dela. Carol fechou as pernas atrás da minha cintura e foi me trazendo com força para dentro dela. Outra vez entrei num frenesi de pura luxúria. Eu não via, não ouvia e não sentia nada. Nada além de Carol. Ela envolveu os braços no meu pescoço e começou a fazer movimentos para cima e para baixo. 

Era hipnotizante ver os seios quicando na minha frente, acompanhando a velocidade dos movimentos dela que aumentava cada vez mais. Junto com os gritos. Quando estávamos quase no fim, as mãos dela fincaram com força nos meus ombros e ela se jogou contra mim. Carol estava tão perto que eu sentia sua respiração fria e ofegante no lado esquerdo do meu rosto. Ela aumentou a pressão ainda mais, eu fechei os olhos. 

Senti uma fisgada no pescoço e de repente parecia que minhas forças estavam indo embora. Sentia algo quente descendo por onde antes estava o ar frio que saía dos lábios dela. Abri os olhos, mas a visão era turva. Já não conseguia ouvi-la nitidamente também. Meus braços que envolviam a sua cintura perderam a força. O que era uma fisgada aumentou com velocidade incrível para uma dor que irradiava do pescoço e ia até a minha nuca. Sentia a respiração falhando e tentei falar alguma coisa que minha voz não obedeceu. Alguns segundos depois disso eu apaguei.



quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Ver020



Catharina parou.

Àquela altura eu não a interromperia novamente, apesar de estar intrigado com o desfecho daquilo tudo e, principalmente, preocupado com Carolina. Esperei pacientemente minha amiga colocar os pensamentos em ordem, o que demorou um pouco.

- Pablo, me desculpe por isso. Como disse, não é um assunto fácil para mim - passou novamente as mãos pelos cabelos dourados e continuou -  Paris amanheceu cinza naquele dia. O clima combinava com meu humor naquele dia, eu não saí do quarto. É péssimo não saber lidar com despedidas quando você é imortal, sabia? Bom, era contra as regras ser conivente com o plano de Carlos. Cedo ou tarde eu deveria reportar sua deserção. Nada aconteceria com ele, claro. Mas deveria ser reportado. E seria, mas resolvi dar algum tempo para o meu amigo. Poderia esperar uns dias, dizer que achei que ele estava escondido ou impossibilitado de falar. Sabe, - Catharina suspirou - eu sempre tive fascinação sobre isso que vocês chamam de “amor”. Compaixão, carinho, admiração…isso nós podemos sentir, mas não o amor. O amor é próprios de vocês, mortais, e foi por causa do encanto que tenho por este sentimento que fui conivente naquele dia.
- Você chegou a vê-lo para se despedir?
- Vi, vi sim. Carlos passou o dia na casa de Carolina ajudando-a com as bagagens. A companhia de ballet que ela fazia parte estava num período entre espetáculos então ela também não precisou dar satisfação para ninguém. À noite ele entrou afobado no nosso quarto. Eu estava triste, sabia que não teria mais muitas oportunidades de ver meu amigo. Carlos tentou não deixar o momento mais difícil do que deveria ser, fez uma piada me deixou esta pulseira - mostrou uma pulseira prateada com uma medalha redonda - e se pôs a arrumar suas coisas numa mala pequena. Eu ajudei, perguntei novamente se precisava de alguma ajuda e ele disse que não, mas agradeceu. Carlos estava feliz, não precisava do sorriso em seu rosto para saber disso porque a atmosfera do quarto e da própria catedral se iluminavam com toda essa alegria. Ele não tinha levado para França muita coisa do Brasil, na verdade ele não tinha muitas posses no Brasil também. Tudo que tinha coube numa bolsa média que ele pôs nos ombros sem muita dificuldade. 
- Mas você disse que eles não chegaram à estação de trem. Desistiram de fugir?
- Eu rezei para que desistissem, mas não. Antes que saísse eu perguntei se ele estava certo daquilo. Ele me respondeu com sorriso largo um beijo na testa e saiu ela porta que rangeu como um lamento. Foi a última vez que vi meu amigo com vida.

Fui pego de surpresa por essa informação. Catharina percebeu minha reação e me olhou de um jeito que parecia dizer “eu te avisei”. Não entendi aquele olhar. Voltou à falar:

- Ele saiu escondido de todos os outros padres e freiras da igreja. Ninguém o viu ou mesmo se preocupou em fiscalizar sua saída. Me disse que não pediria um coche, apesar da distancia ser relativamente grande iria percorrê-la à pé para evitar que o seguissem. O dia amanheceu cinza e terminou chuvoso. Poucos minutos após Carlos sair da Notre Dame já se ouvia trovões e meu coração ficou mais apertado ainda. Nós, Favrashi, somos instruídos à não criar um elo afetivo muito forte com nossos protegidos…é difícil ver tantas partidas, sabe? Eu sempre tive dificuldade neste ponto. Acho que sua Favrashi não é das melhores Pablo.
- Eu discordo. - consolei - Já te falei que considero você minha amiga e não se menospreze por isso! Não fosse você, eu ainda estaria naquele sofá sofrendo auto-piedade pela morte do meu pai. Você é uma ótima guia sim, mas já é bem mais que isso pra mim. 
- Obrigada, Pablo. - Catharina estava emocionada.
- E…o que houve com eles? Carol e Carlos?
- Bom - a voz começou como um leve desafino agudo mas ela pigarreou e se acertou - começou a ficar insuportável ficar naquele quarto. Fui até a nave principal da igreja e rezei um pouco. Ao passar pelo salão principal vi que muitos padres ainda jantavam, concluí que seria uma melhor opção ficar ali para me distrair um pouco. 

Houve uma nova pausa. As mãos de Catharina tremiam.

- Por volta das 22h o salão já estava bem mais vazio e silencioso. Quando as grandes portas abriram num movimento inesperado. Louis Dousseau, um dos sacerdos que estava enfrentando a infestação no Quartier Latin entrou com certa urgência, cerca de dez homens vinham com ele. Louis, como  já era veterano veio à frente. Ele carregava um fardo enrolado em tecido preto nos braços. Eu não quis acreditar que aquele fardo tinha forma humana. - ela respirou fundo para continuar - Vi dois homens irem em direção ao sumo-sacerdo e falarem algo em voz baixa. O grupo desceu quase ao mesmo tempo que o velho mestre se levantou de sua cadeira e veio em minha direção. Ele era lento por causa da idade mas parecia querer evitar cada passo que dava. Ele me perguntou aonde estava meu protegido e eu menti, disse que estava reunindo pistas para pegarmos Malta. Ele me disse que Louis e seu grupo tinham achado um corpo na Rue de Compiègne e tinham certeza de que era “o brasileiro”. A notícia me atingiu como um canhão. No início eu não acreditei, dizia para mim mesma: "àquela altura Carlos e Carolina já deveriam estar no trem para Londres e, se o pior tivesse acontecido haveriam dois corpos e não somente um”. Ele perguntou se eu não queria ver o corpo, só para ter certeza. - de novo, as mãos dela foram à cabeça - Eu disse não, pensava que se eu não visse talvez a coisa não fosse real. Ele insistiu e eu fui. Descemos três lances de escada e entramos numa sala fria, mas iluminada por um numero considerável de tochas. Louis e um outro sacerdo aguardavam lá, ambos me cumprimentaram com certo pesar. Louis me perguntou se poderia tirar o pano que cobria o corpo que estava disposto em uma mesa no centro do aposento. Eu demorei a responder, mas disse sim e ele o fez.
- Era ele? Carlos, quero dizer...
- O fogo das tochas iluminou o rosto já pálido que eu não quis reconhecer. O cabelo cacheado e a barba não me deixavam mentir, era Carlos. Eu tentei negar, procurar algum sinal, de pele ou não, que me dissesse que não era ele que estava deitado ali. Tudo que eu encontrei foram hematomas pelo tronco, feridas em forma de circulo em seus pulsos e um corte cirúrgico em sua garganta. Louis me disse que ele foi encontrado no chão, já sem vida. O cadáver apresentava sérios indícios de anemia mas ao mesmo tempo não havia sangue onde foi encontrado. O sumo-sacerdo me perguntou como estava o status da nossa missão com o upyr que viemos exterminar, os anos treinaram os olhos do homem para identificar uma morte por este tipo de demônio. Eu respondi que havíamos encontrado seu esconderijo, mas não o havíamos pego ainda. Ele pôs a mão sobre o meu ombro e me olhou com compaixão antes de sair. É um pouco patético um anjo ser consolado por mortais, eu sei, mas na ocasião eu não estava muito preocupada com isso. Fiquei mais algum tempo ali olhando para Carlos desolada e disse para Louis cuidar do corpo.
- Mas - perguntei ansioso - e Carolina? Eles estavam juntos, não estavam?

Ela sorriu pela primeira vez nessa conversa.

- Haha, claro que você quer saber da Carolina. - no entanto, era um sorriso triste - Naquela mesma noite eu saí pelas ruas de Paris à esmo. Poderia ir aos meus superiores, comunicar a morte do meu protegido e com certeza haveria conseqüências pra isso. Mas acho que o que Ganthen disse outro dia é verdade, eu passei mesmo muito tempo com os mortais. Acho que peguei o gosto de vocês por protelar decisões importantes. Andei por horas, madrugada adentro. A chuva e o frio não me incomodavam. Eu era um turbilhão de pensamentos e, quando dei por mim estava de volta ao topo da escadaria que dava para a Basílica de Sacre Coeur. Sentei nas muretas, as mesmas onde tinha estado um dia antes e só aí eu percebi que não tinha sido um acidente. Carlos não encontrou Malta - ou qualquer outro upyr que o atacara - por acaso. A presença que tínhamos sentido aqui noite passada tinha ouvido seus planos. Quão ingênuos nós fomos! Entenda, Favrashi não podem atacar, ou causar danos à outros, mesmo demônios. Nós somos anjos protetores mas isso não me impediu de correr ao lugar que achávamos ter servido de esconderijo para Lucas Malta. Não estava certa que esperar quando chegasse lá mas o que eu vi foi realmente uma surpresa. 

As próximas paradas de Catharina foram inesperadas.

- O lugar parecia vazio à primeira vista. Escuro e com fedor de morte, exatamente como estava da última vez que estive lá mas ao me concentrar um pouco mais percebi que havia algo…ou alguém no banheiro. O apartamento era apertado e o banheiro era o último cômodo de um pequeno corredor. Medo e raiva começaram a me inundar numa torrente de emoções que me impulsionava passo à passo em direção àquela porta. Conforme me aproximava a certeza de que não estava sozinha naquela casa ficava mais evidente. O que eu faria quando o encontrasse? Meu escudo seria forte o bastante? Eu estava preparada para isso? Minha mão foi à maçaneta enferrujada e a girou, fazendo um barulho desagradável, um grito agudo rasgando aquele silêncio. Não foi Lucas Malta que eu encontrei lá. Sentada dentro da banheira tremendo e fazendo barulhos estranhos estava Carolina LeBion. Ao sentir que eu entrei no banheiro ela levantou, e se pôs em direção a parede, ela estava com medo. Estava nua, tinha sangue seco por todo o corpo, principalmente marcando seus lábios. Os olhos tão vermelhos quanto os cabelos estavam perdidos, gritando a ajuda que a boca não conseguia pedir. Depois do choque, todo o meu sentimento de ódio foi embora. Fiquei compadecida e perguntei o que tinha acontecido. Ela chorou, veio em minha direção e me contou tudo. Em sua versão, ela estava atrasada quando chegou ao ponto de encontro. Tinha demorado demais terminando as malas, mas chegaria à tempo de pegarem o trem, tinha certeza de que Carlos a esperaria. Estava correndo quando chegou à Rue de Compiègne e escorregou no chão molhado por causa da pressa. A cabeça tinha batido com força no chão e ao levantar ela viu sangue. Se assustou vendo todo aquele sangue no chão, pensou ser dela mas logo concluiu que não era. Seguindo o rastro, ela viu que a poça de sangue vinha de um homem que estava deitado de bruços num mar vermelho. Primeiro ela reconheceu as roupas, depois o cabelo. Carolina me contou tudo isso chorando copiosamente.
- Espera, o que ela estava fazendo na casa do Malta?! Essa era a mesmo a casa dele?!

Minha raiva por Malta estava conhecendo novas fronteiras. Catharina não deu atenção às minhas perguntas dessa vez.

- Ela estava um pouco fora de si. Ficava repetindo que “a culpa era dela”, que “estava arrependida”, que "era uma pessoa péssima” e eu tentando montar aquele quebra cabeça de informações pedi que tivesse calma, que ela respirasse e me contasse do que lembrava. Ela me disse que pedia ajuda, clamava por socorro porque acreditava que Carlos ainda estava vivo, apesar da perda absurda de sangue mas pelo avanço da hora não havia muitos passantes na rua e, os que passavam não lhe davam atenção. Até que um homem parou para lhe ajudar. Galante e educado, lhe ajudou a levantar e ofereceu um lenço para suas lágrimas. Ela, num momento frágil confiou tudo que tinha nele, lhe contou que planejava fugir com Carlos mas alguém o havia atacado, que precisava de ajuda e, quando ia falar a terceira frase sentiu os dentes do suposto bom samaritano em sua jugular. Tentou lutar de volta mas, em segundos desmaiou. Ao acordar, ela me disse, não se reconhecia mais. Olhou ao seu redor e viu que também não reconhecia mais o mundo, seus olhos ardiam, seus ouvidos escutavam demais e conseguia captar odores que nunca tinha sentido antes. Mas ela me confessou que o que mais lhe incomodava era a fome, seu estômago parecia se comprimir mais a cada segundo, como se não houvesse nada dentro dele. Foi arrancada deste momento de adaptação pelo seu agressor que, permanecendo educado, lhe explicou que tudo aquilo era normal. Disse para ela que ele, e todos aqueles, de sua raça eram passavam por aquilo e a conduziu até o corpo que jazia no chão. Carolina caiu nos meus braços contando que não conseguiu se controlar, quando viu o sangue, caiu de quatro no chão e sugou todo aquele sangue para tentar aplacar sua fome. O sangue de Carlos foi o primeiro a tocar seus lábios. Neste momento me desvencilhei dela e ela implorou, não por desculpas, mas pela morte. Me disse que não queria ter que viver com aquilo, que era um monstro, sentia nojo de si mesma. Pegou as minhas mãos com uma força que eu não esperava, ajoelhou e pediu-me para tomar sua vida. Tudo que eu sentia por ela agora era desprezo. Puxei minhas mãos e disse que, mesmo que pudesse matá-la não o faria. Queria que ela vivesse com aquilo. - pausou - Anjos não são sempre criaturas elevadas, sabe?

Eu perdi o ar enquanto ouvia isso. Estava acostumado a ter uma visão de Carolina forte e imponente, aquela garota insegura coberta de sangue num banheiro não parecia nada com ela. Tive dó e quis ajudá-la.

- Antes de sair perguntei quem era o homem que a tinha levado até lá, ela me respondeu entre os soluços o que eu já sabia: Lucas Malta. A abandonei sem dar importância aos seus gritos por ajuda. Fui embora, sabia que não poderia lutar com Malta sozinha, precisaria comunicar alguém que realmente pudesse matá-lo. Ninguém na Ordem francesa queria fazê-lo e eu resolvi não me humilhar. Me teleportei de volta para o Brasil e contei o acontecido. Soube que uma outra missão com três sacerdos foi enviada para Paris mas sem sucesso. Malta e a garota haviam sumido novamente. Depois disso ascendi e contei para meus superiores que havia falhado.

Não consigo descrever a tristeza que havia na última frase de Catharina com palavras. Eu ainda estava chocado, não imaginava que Carol tinha sofrido tanto, agora eu a admirava mais ainda por ter passado por tudo aquilo e ainda parecer tão forte. Abracei Catharina e ela me devolveu o abraço calorosamente. Quando terminou de secar as lágrimas eu perguntei algo que ainda não tinha entendido sobre aquilo tudo:

- Tudo bem, não sabia que a Carol tinha passado por uma história assim. Agora eu estou com mais raiva ainda desse filho da puta mas, eu ainda não entendi muito o que essa história toda tem a ver comigo. Porque eu deveria me importar com esse Carlos? Eu sei que ele era seu amigo e tudo mais...
- Você ainda não entendeu, não é? - o sorriso triste novamente.
- Não Catharina, eu ainda não entendi.
- Tem uma coisa que eu não te contei sobre os sacerdos, Pablo. Vocês não são escolhidos, vocês FORAM escolhidos.
- Ok….ainda não entendi. Você pode ser mais clara?
- Um sacerdo não é uma pessoa escolhida por acaso. “Sacerdo" não é um cargo ou uma função que um mortal possa exercer. “Sacerdo” é o nome de um tipo de espírito específico que retorna à este plano em ciclos definidos para defender a humanidade dos infernais e de sua influência. Carlos morreu àquele dia, mas ele voltou para este plano agora.

Seus olhos mel estavam me olhando com o fascínio com o qual um professor admira um aluno que compreendeu uma lição. E eu achava mesmo que tinha entendido mas não estava conseguindo processar toda aquela informação.

- Espera…você tá dizendo que esse Carlos e eu….eu e o Carlos..

- Lembra que eu disse que vocês eram parecidos?