terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Ver016



Ao ouvir a menção do assassino do meu pai senti um ódio desmedido e um medo disfarçado também. A possibilidade de ver seu rosto numa fotografia me fez correr até a mesa onde Vinicius estava somente para me decepcionar e ver que não haja nada ali.

- Essa foi uma tentativa frustrada - disse Victor tomando a fotografia nas mãos - de quando capturamos Malta algumas décadas atrás. Já havia a suspeita, mas essa fotografia nos deu certeza de que ele é um upyr.
- Upyr? - perguntou Vinicius.
- É o nome técnico do que conhecemos como vampiro. - eu disse de modo distraído. Depois do meu comentário houve um silêncio inesperado. Todos olhavam para mim.

- Exatamente. - Victor estava visivelmente perplexo - Demônios dependentes de sangue, filhos de Lilith, sedutores e traiçoeiros. Upyr não saem em fotografias, nem têm reflexos. Mais um castigo de Deus por serem tão vaidosos. Um dos tipos mais perigosos de infernais e eu torço muito que vocês nunca precisem enfrentar um desses. Mas parece que isso não é novidade para todo mundo, não é...Pablo?
- Uhn...não, não! Quer dizer, Catharina me explicou um pouco sobre eles, mas sobre outros demônios também. Quer dizer, nada que eles não saibam também - apontei os outros três aprendizes.
- Bom, na verdade - Gabriela falou por todos - sua “anja da guarda” pareceu se importar muito mais com você que o meu comigo.

Os outros assentiram, e isso me lembrou do modo glacial com o qual Catharina tinha me tratado pouco mais de uma hora atrás. Meu pulso esquerdo ainda tinha a marca que ela deixou para nos comunicarmos ia passar dedo nela mas uma pergunta me deteve:

- É verdade que você e ela se atrasaram porque um deles encontrou vocês? - A voz de Júlio era presunçosa e me incomodava. Antes que eu pudesse responder, entretanto, Victor disse:

- Eles já sabem de vocês e é importante que estejam cientes do perigo que correm. Pablo tinha a ajuda de Catharina e teve sorte por isso. Não resolvam bancar heróis ou tentar ser mais do que são. Aquela menina, Bruna, que deveria estar aqui com vocês foi atacada por um pratur, segundo as informações que o Fravashi dela trouxe, ficou catatônica. Ainda tememos pela família dela, mas não há muito o que fazer. Se Pablo passou por uma experiência de luta com um demônio isso não é algo a ser condecorado, mas sim uma imprudência que eu realmente espero que não se repita nesse grupo.

Conseguíamos ouvir o barulho das tubulações de ar condicionado e nada mais.

-Vamos continuar?



+++


Já era quase uma da madrugada quando acabou o dia de apresentações. Sabia que padre Pedro morava ali no subsolo da Candelária, ele já tinha se recolhido, mas Victor parecia disposto a terminar sua função de guia sem muita pressa. 

- Por fim, agora retornamos ao Grande Salão, concluindo nossa rota por todos os aposentos do templo. - olhou para o relógio que, como eu, usava no pulso direito - Deveríamos ter acabado antes de meia-noite mas...em decorrência de atrasos declaro somente agora acabada a etapa de introdução de seu treinamento. Na sala à direita há comes e bebes para se alimentarem antes da volta pra casa. Por favor sirvam-se. Nos vemos novamente em breve.

O banquete era mais vasto do que eu imaginei. Parecia que o Vaticano estava realmente empenhado em investir na Ordem. Eu estava faminto, desde que saí de casa não botava nada no estômago, aquela janta tardia foi muito bem-vinda. 

Depois de satisfeitos nos despedimos e cada um tomou um rumo diferente. Antes de arrumar minha maleta, enchi meu frasco de água-benta na fonte que tinham feito na lateral direita do Grande Salão, acho que o encontro com o berne me traumatizou um pouco porque depois disso eu nunca mais pus o frasco na maleta, sempre o levo comigo.

Para mim, que morava em Copacabana, a melhor alternativa para voltar seria o metrô novamente, mas naquela hora ele já não estava mais aberto. Andei pela Presidente Vargas até chegar no ponto de ônibus aonde passavam os coletivos para Copacabana. Não cheguei ao meu destino.

Ao passar por uma das ruas apertadas e escuras que cruza a avenida fui surpreendido por um forte cruzado no queixo. Busquei equilíbrio num poste e olhei para o meu agressor que não reconheci. Ele era mais forte que eu, bem mais forte, tinha cabelos cacheados também, mas raspava as laterais. O nariz dilatado o deixava tão feio quanto um dos demônios que eu enfrentei, mas ele era claramente humano. Enquanto tentava entender o que estava acontecendo o bruta montes avançou para cima de mim novamente. Uma voz conhecida o deteve:

- Pare, meu bem! Ele ainda tem que ter os dentes na boca pra nos responder, lembra?

Ele parou à seu comando e eu vi, saindo da rua mal iluminada, alguém que achava ter saído de vez da minha vida.

- Já conhece meu amigo, nanico? Esse foi o jeito dele de dizer "oi", e acho que ele vai continuar falando "oi" pra você se eu não tiver as respostas certinhas do que eu perguntar. - ela se dirigiu ao seu escravo quando disse - Aqui está muito iluminado. Vai arrasta ele pra cá.

Retornou pra rua de onde tinha saído e a figura que aparentava não ter cérebro fez o que ela mandava. O rato de academia me imprensou na parede botando o antebraço no meu pescoço. Mesmo naquela posição era difícil não olhar para o decote generoso que Máira vestia de propósito, o resto da blusa modelava seu corpo e o short branco também evidenciava bem suas formas. Tenho certeza de que ela não precisou de cinco minutos de conversa para seduzir esse coitado num bar qualquer. Ele não parecia ser do tipo que pensa muito mesmo sem o domínio dela.

- Então, vamos fazer um joguinho, ok? Eu te faço uma pergunta e você me responde. É simples. Se eu não gostar da sua resposta - botou a mão no ombro do comparsa - ...como é o seu nome mesmo, querido? Ah, não importa. Ele vai te bater. Ok? Ótimo. Onde está a Carolina?!

Era muito desconfortável falar com aquele idiota pressionando a minha traquéia. Mas ao ouvir o nome dela eu não me importava com isso.

- O que? Como assim, cade ela?!
- Vai bancar o difícil, né? Ótimo, eu prefiro assim mesmo.

Foram dois socos na barriga. Caí, ele me levantou novamente.

- Faça um favor pra mim? Veja se ele tem alguma coisa pendurada no pescoço. -  Ela falava nos ouvidos dele de modo sedutor. As mãos encontraram o mesmo crucifixo que tinha me salvado no nosso primeiro encontro - Ótimo, agora porque você não arranca isso daí, ein? Por mim?

A fina corrente dourada que sustentava a cruz se partiu com facilidade ao puxão nada gentil do meu "novo amigo". E outra vez ele me prendeu à parece com o antebraço esquerdo na minha garganta. Eu era mais baixo que ele, então precisava ficar na ponta dos pés para não deixar coisa toda ainda pior. Mas meu pensamento estava, de novo, na Carol. Ela sumiu?

- Máira, do que você está falando?! - minha voz era um sussurro rouco.
- Você devia ver como está ridículo nessa posição. Combina com você. - zombou.
- Eu to falando sério! Me fala o que houve!

Máira deixou a ironia de lado e se enfureceu.

- FALAR SÉRIO?! MINHA MELHOR AMIGA SUMIU HÁ DIAS E A ÚLTIMA COISA QUE EU SEI É QUE ELA FOI PARA SUA CASA! - ela não economizou no volume, depois caiu um pouco em si e voltou ao normal - Sabe, nanico, você acabou de ganhar mais alguns socos.

Mais uma vez seu escravo atendeu, meu ombro machucado abriu de novo. Era a segunda surra que eu tomava em menos de 24 horas, mas eu aguentei. Precisava saber o que esta acontecendo. Apesar de forte o controlado era desleixado, deixando várias brechas vulneráveis para eu atacar. O sangue já caía pelo meu braço.

- Vamos tentar de novo. Aonde. Está. Carolina?
- Eu não sei, caralho! Depois que ela foi lá pra casa não a vi mais. E como você sabe que ela me visitou?
- Ah docinho, tem um motivo pelo qual eu ainda não mandei ele socar essa sua cara. Carolina parece gostar de você. Por algum motivo que a lógica não explica, desde ela te viu não pára de pensar em você. Não que ela fale isso, mas conheço bem a minha amiga pra perceber isso sem precisar de uma palavra. Agora vamos jogar aberto aqui, ela gosta de você, mas eu não. Então, coisa fofa, é melhor você me dizer logo o que aconteceu com ela, ou acho que a Carol vai gostar menos de você com o rosto desfigurado.
- Eu não sei aonde ela está ou o que aconteceu com ela, Máira. Mas desde aquela visita que eu não paro de pensar nela, também.
- Ah, que gracinha, você gosta dela, é? FODA-SE! Cansei das suas mentiras. - olhou para a estátua de bíceps que estava entre nós - Pode acabar com isso, querido. Esse babaca é inútil pra nós, ele não vai dizer nada.

Eu era mais fraco mas era mais rápido. Ao perceber o que ele ia fazer, deixei por um momento que seu antebraço me equilibrasse no ar e, com as pernas livres dei um chute forte nas suas bolas. Meus polegares, concomitante, foram nos olhos do infeliz e isso fez com que ele me soltasse. Pigarreei um pouco antes de voltar a falar com o tom de voz normal, tirei o frasco de agua-benta do meu bolso e, como Catharina me ensinou, espirrei em Máira na forma de uma cruz.

O contato fez ela gritar e marcou sua pele como ácido.

- Muito bem, agora me escuta. EU tenho umas perguntas: quando foi a última vez que você viu a Carol? Porque ela foi me visitar? E porque você acha que fui eu quem deu sumiço nela? - Tinha aproveitado o momento de fraqueza dela e jogado Máira no chão e agora estava com o resto do meu frasco apontado para o seu rosto.
- Ela discutiu com o mestre dela muitas vezes desde que te viu. Não sei os detalhes, ela não quis se abrir comigo. Me disse que foi te visitar para te proteger do que poderia vir, sabe, você tem sorte dela ser tão cuidadosa contigo, nanico. Eu já vi Carolina destroçar alguns caras que ela seduziu só por prazer. Preciso mesmo responder a última pergunta?
- Você acha que eu teria feito algo contra ela?
- Não que você pudesse, né? Mas eu sei bem o que eles ensinam pra vocês lá naquele pequeno clubinho. Por mim, você não via Carolina nunca mais.

Recolhi meu frasco e a ajudei a se levantar.

- Não gosto de você, e você não gosta de mim.
- É, isso ficou bem claro.
- Mas temos um objetivo em comum agora. Eu também quero muito saber o que houve com a Carol.
- Claro que voce quer, ela realmente fisgou voce né?
- ...
- Você é patético, garoto. Ela nunca vai olhar pra você.

Dei as costas para ela e saí da rua, de volta para a avenida principal. Dei um empurrão no idiota com cêrebro de azeitona antes de ir, quando estava chegando na rua ouvi Máira falar:

- E vê se tira essa batina, fica horrível em você.

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