quarta-feira, 26 de novembro de 2014

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A igreja da Candelária tem uma história. No início do século XVII um casal de espanhóis estava vindo para o Brasil com o sonho de fazer a vida. A embarcação onde estavam foi atingida por uma impiedosa tempestade e todos os tripulantes da nau temeram por suas vidas. O casal então, devoto de Nossa Senhora, prometeu que caso passassem ilesos, construiriam no Novo Mundo uma catedral em seu nome. Depois de cinco dias de tempestade, a embarcação aportou no cais do Rio de Janeiro e em seu casco bastante avariado ainda podia-se ler o nome com o qual fora batizada: Candelária.

Alguns anos depois os espanhóis cumprem sua promessa e levantam, no coração do Centro da cidade, uma de suas igrejas mais bonitas e emblemáticas. Com seu estilo neoclássico, igreja é maioritariamente branca com duas grandes torres nas extremidades e tem muitas janelas em cada uma de suas câmaras superiores. Se houvesse um modo de ver a Candelária de cima se perceberia que ela tem o formato de uma cruz.

Essa é a parte pública da construção da igreja. Mas existe também uma parte que fica restrita ao sacerdócio. A mulher do casal, quando se aproximava a inauguração, começou a passar mal em seus sonhos. Seu marido dedicado acordava rigorosamente todas as noites com seus gritos e tentava acalmá-la para que voltasse a dormir, mas cada vez a missão parecia mais difícil. As noites iam as tornando mais longas e os dias mais curtos para ela, que após alguns meses neste estado, definhava visivelmente. A enfermidade não permitiu que ela comparecesse à inauguração.

Apesar de religioso, o casal buscou ajuda primeiro na medicina mas a resposta era simplesmente a mesma, a mulher estava bem fisiologicamente. Claro que a medicina era bastante limitada naquela época, mas mesmo hoje a resposta não teria sido outra. 

Um domingo, após a missa que freqüentava semanalmente, o marido espanhol se abriu com o padre que a essa altura já gozava de sua confiança. O padre em questão se chamava Felipe, foi o primeiro padre da Candelária e idealizador da ordem que eu participei por tantos anos.

Segundo registros, padre Felipe ainda era relativamente novo, mas havia estudado por um bom tempo em Roma, onde acabou por ter muito contato com escrituras seculares e restritas. Lá tomou gosto pelo estudo de proteção contra demônios. Ao examinar a mulher,  suspeitou que ela não sofria de doença alguma, mas estava sob ação de uma criatura que conhecemos como íncubo. Íncubos não têm o poder de encarnar na vítima como outros demônios, portanto um exorcismo seria inútil neste caso. Felipe sabia que o íncubo é um espírito que seduz as mulheres durante o sono e toda noite se alimenta deles até que a vítima não sonhe mais, então esperou até que ela adormecesse e então começou um ritual que prendeu o espírito num frasco marcado com o selo de Salomão.

Após este evento a senhora ficou bem e o padre conversou com o casal, propondo uma reforma secreta na Candelária, seria construída uma base subterrânea aonde ele se dedicaria a estudar e resolver casos como o ocorrido. Assim nascia a Ordem dos Sacerdos do Rio de Janeiro e o salão por onde agora eu passava, também todo decorado em pedra, havia sido o primeiro a ser construído sob a catedral.

"Grande Salão" era como chamávamos, passei por quinze pares de bancos até chegar ao altar ao fundo. Não havia quadros ou janelas, mas o ambiente era climatizado e limpo dando uma impressão rústica e moderna ao mesmo tempo. Ali, de frente para o altar me esperavam quatro pessoas. Catharina e padre Pedro seguiam ao meu lado.

- Muito bem, estamos todos juntos finalmente, - disse o padre Pedro - Victor, este era o garoto que teve...um leve acidente de percurso, se incomodaria em repetir para ele?

Um homem magro e alto, de olhar severo e cabelos em forma de cuia me olhou com reprovação e depois disse para o senhor:

- Claro, padre. Sem problemas.
- Muito bem, acho melhor então eu reportar o que houve mais cedo. Pablo agora está em boas mãos. - Catharina disse isso para Pedro e foi se retirando.
- Espera, você vai embora?
- Não faz diferença, faz? Consegui te trazer aqui a salvo apesar dos seus esforços suicidas. Agora você deve se dedicar ao treinamento.
- Porque você está agindo assim, Catharina? Quer dizer, desde que eu acordei você mal falou comigo.
- Pablo, eu preciso ir. - se virou para o velho padre - Pedro, até breve.

E saiu.
Aquilo me incomodou e deixou um clima pesado no Grande Salão. O único som que se ouvia eram os passos de Catharina que, ao chegar à porta hesitou e olhou para trás rapidamente antes de fechá-la às suas costas. Senti a mão de padre Pedro no meu ombro:

- É o dever dela, rapaz. Não se preocupe com isso, vocês vão se ver novamente. Agora por favor, ouça o que Victor tem a dizer.

Victor começou a fala com a impaciência de quem já contou a mesma história algumas vezes, as outras três pessoas eram dois garotos e uma garota e já tinham ouvido o que ele tinha a dizer, por isso ele falava para mim.

- Você foi trazido a este salão porque o plano superior acreditou que você pode auxiliar no controle dos ataques de demônios aqui no plano mortal. Sacerdos são recrutados por seres celestiais, sua recrutadora acaba de sair, e com a saída dela o Vaticano se propõe a investir na sua carreira de sacerdócio se comprometendo a cobrir todos os seus gastos financeiros enquanto você servir a esta ordem. É de suma importância dizer que, uma vez que as criaturas saibam que você está atrás delas, irão atrás de você também. O perigo será iminente e constante. Servir, entretanto, é uma grande honra. Você aceita a responsabilidade de levar a luz consigo e dedicar a vida a combater todo e qualquer espírito das trevas?

Não é nada que eu já não tivesse ouvido mas falado assim, daquele modo formal e empostado, parecia ter o peso de duas toneladas. Meu sentimento de vingança parecia pequeno perto deste discurso mas confesso que foi apenas por ele que eu decidi fazer o que fiz.

- Sim.
- Então, Pablo Pazos, eu autorizo você a participar do treinamento da Ordem dos Sacerdos do Rio de Janeiro. De agora em diante todos os demônios são seus inimigos e qualquer negligência para com eles não será tolerada. - obviamente meu primeiro pensamento foi para Carolina e eu quase ri, mas apenas concordei com a cabeça - Acho que estão todos prontos para começar, Paulo.
- Primeiro vamos às apresentações, - olhando para mim, seguiu - Pablo, estes são Júlio, Gabriela e…perdão eu esqueci seu nome filho.
- Vinicius, Vinicius Ferreira senhor. - disse o terceiro garoto com corte militar e grandes olheiras. 
- Isso, desculpe, é a idade. Estes, Pablo, são seus companheiros de treinamento. Pessoal, - agora para os outros - este é Pablo.

Minha primeira impressão dos três não foi muito boa, devo dizer. A menina, Gabriela, me parecia um pouco fora de órbita e deslumbrada com tudo que estava vendo. Vinicius, soava como o tipo de pessoa que precisa de atenção, o que me incomodava. E Júlio era efusivo e falante demais. Depois de alguns minutos de conversa descobri que o homem que havia me introduzido formalmente, Victor, era um especialista em exorcismo e seria um de nossos tutores.

Fomos conduzidos e apresentados a todos os aposentos do “templo”. A última sala, chamada “Sala de Consultas” tinha registros, imagens e referencias dos infernais mais perigosos que poderíamos encontrar. Enquanto Victor nos mostrava um livro com mais de cem anos de história, Vinicius atentou para um bolo de fotografias jogadas em cima um dos retratos estava em branco e chamou sua atenção.

- Parece que esqueceram de chamar o modelo para esta foto. - brincou.
- Não diga bobagens, - respondeu Victor rispidamente - este retrato, ou a falta dele, pertence a um demônio que vocês terão sorte se não encontrarem.
- Quem? - Gabriela perguntou.
- Um upyr chamado Lucas Malta.

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